Bianca Bierhals diz que sentiu medo ao ver imagem vinculada à de jovem identificada pela polícia por injúrias raciais; no domingo, voltou à Arena com cartaz contra racismo
Há momentos em que alguém pode estar no lugar errado e na hora errada. Foi o caso de Bianca Bierhals, estudante de pedagogia de 21 anos, na noite da última quinta-feira. A moça acompanhou atrás do gol todos os incidentes de torcedores gremistas que provocaram com injúria racial o goleiro Aranha, do Santos. E ela permaneceu incólume, com postura inalterada diante de xingamentos ao camisa 1 adversário.
Só que Bianca acabou se envolvendo com o caso de forma indireta. Teve imagem exibida em variados veículos de comunicação ao lado de Patrícia Moreira, esta, sim, flagrada pelas câmeras do canal ESPN gritando “macaco” em direção ao goleiro. Até mesmo para reiterar a postura, Bianca voltou ao estádio neste domingo e participou de campanha contra o racismo promovida pelo clube. Com amigos, segurou um cartaz com a frase: “somos azuis, pretos e brancos”.
Em conversa com o GloboEsporte.com, Bianca revelou medo com toda repercussão do episódio, pelo fato de ter a imagem vinculada a um caso de injúria racial. Mas agradeceu ao apoio de amigos e também desconhecidos por meio de redes sociais.
– Estou quase sem dormir desde a quinta-feira. Durmo muito pouco e acordo superpreocupada. Fico com muito medo. A internet é uma arma na mão das pessoas e, muitas vezes, não podemos nos defender. Mas está tranquilo, está tudo normal. As pessoas vêm demonstrar apoio e entendem que foi uma infelicidade estar ali – conta. – Estava com um pouco de receio de ir ao estádio, não sabia como estava sendo o julgamento das pessoas com reação ao que elas tinham visto. O que me encorajou foi o apoio que recebi. Eu não tenho nem expressão (nas imagens).
Segundo a moça, recebeu o julgamento errado apenas por pessoas que não assistiram ao vídeo. Por outro lado, na tarde deste domingo, teve até quem pediu para tirar fotos com ela.
– As pessoas que têm esse julgamento equivocado sobre mim, não assistiram ao vídeo, apenas olham a foto que muitos sites divulgaram usando a minha imagem ao lado da menina e já saem tirando suas conclusões. Isso que é o mais complicado. Fico nervosa com isso – destaca.
Bianca não conhece os outros torcedores que praticaram injúrias raciais. De acordo com o departamento jurídico do Grêmio, cinco foram identificados. Até este domingo, a polícia já tinha o nome de duas dessas pessoas.
– Teve muita provocação, isso sem dúvida. Fiquei irritada com o que estava acontecendo. Nada justifica, ele (goleiro) poderia estar incitando. Mas eles (torcedores) poderiam protestar de alguma outra forma. Quero que sejam punidos esses torcedores, só que acho que a torcida do Grêmio não deve ser responsabilizada. Só essa meia dúzia – ressalta.
Durante a partida entre Grêmio e Bahia, vencida pelo Grêmio por 1 a 0, parte da torcida localizada na arquibancada norte soltou o cântico “chora, macaco imundo”, uma música já tradicional da torcida organizada Geral do Grêmio (assista acima). Mais uma vez, Bianca permaneceu em silêncio.
– Sou professora e trabalho com educação infantil. Isso é transformar serem humanos de bom caráter. Não concordo e jamais iria compactuar com uma atitude. As pessoas que me conhecem sabem que não é da minha conduta – acrescenta.
Sócia, Bianca é torcedora frequente na Arena em partidas do Grêmio. E continuará sendo figura constante no estádio.
Entenda o caso
O incidente na quinta aconteceu aos 42 minutos do segundo tempo, quando Aranha reclamou com o árbitro Wilton Pereira Sampaio, alegando ter sido vítima de xingamentos por parte da torcida. O juiz mandou a partida seguir, mesmo sendo alertado por jogadores do Santos dos incidentes que ocorriam fora de campo.
A jovem mostrada na ESPN foi afastada do trabalho no Centro Médico e Odontológico da Brigada Militar. Patrícia Moreira era funcionária de uma empresa terceirizada e prestava serviços de auxiliar de odontologia na clínica da polícia militar gaúcha. As imagens da torcedora ofendendo o goleiro santista começaram a circular pelas redes sociais logo após a partida. O goleiro Aranha registrou boletim de ocorrência na 4ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre na sexta-feira.
Diante da repercussão, Patrícia evitou dormir em casa nos últimos dias. Ela se refugiou em residências de parentes e amigos para evitar retaliação. Pedras foram jogadas em direção a sua casa na noite de sexta-feira. O GloboEsporte.com visitou a região na tarde de sábado e ouviu os vizinhos. Amigos negros da menina de 23 anos garantem que ela não é racista.
Jogo de volta suspenso
As injúrias raciais proferidas por torcedores gremistas contra o goleiro Aranha tiveram mais um desdobramento. O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) acatou pedido da Procuradoria de Justiça Desportiva e suspendeu o jogo de volta entre as duas equipes, na próxima quarta-feira, até que o caso seja julgado. No primeiro duelo das oitavas da Copa do Brasil, os paulistas bateram os gaúchos por 2 a 0.
O julgamento ocorrerá na próxima quarta-feira. O Grêmio responderá por ato de discriminação racial por parte de torcedores, além do arremesso de papel higiênico no gramado e atraso. O clube corre risco de exclusão na Copa do Brasil e multa de até R$ 200 mil. A denúncia se apoia no artigo 243-G (discriminação racial) e no 213 (arremesso de objeto em campo), ambos do CBJD. O clube responde ainda ao artigo 191 por descumprir o regulamento e entrar em campo três minutos após o horário previsto.