Na idade das quedas

           Zuenir Ventura, O Globo

Ao presenciar o tropeção de um companheiro de idade no calçadão de Ipanema, dei razão a Fernanda Torres, que no seu excelente romance “Fim” fez um personagem decretar “morte lenta ao luso infame que inventou a calçada portuguesa”.

Me lembrei do quanto precisamos ter cuidado com esses traiçoeiros “quadrados de pedregulho socados à mão” que Portugal nos mandou. Irregulares, em falso, desniveladas, essas pedras são uma armadilha. Invejo os passeios de cimento cinza, feios, mas sem desníveis ou buracos.

Como caminho diariamente, sou obrigado a olhar mais para o chão do que para a beleza do mar, o que é uma pena, porque privo a vista de um prazer, para ganhar em integridade física. Graças a essas precauções, porém, jamais levei um tombo ali. Em compensação, outro dia, escorreguei sentado por sete degraus da escada de minha sala, quicando como uma bola, sem conseguir parar.

Por sorte, muita sorte, sofri apenas uma ligeira fratura numa costela. Tínhamos tanto medo que meus netos Alice e Eric caíssem, e fui eu a me estabacar ridiculamente. Depois, descobri que o meu tombo pode ter sido para confirmar as estatísticas, segundo as quais os perigos que mais nos ameaçam não estão do lado de fora, são os domésticos. Pesquisas indicam que, em cada dez quedas que levamos, sete ocorrem dentro de casa, em tapetes, pisos escorregadios, boxes de banheiros e… escadas.

É a esse item que quero chegar (sem cair). Acho que em nome da estética e por causa de certas ousadias formais, os arquitetos contribuem bastante para a insegurança dos usuários. Não é o meu caso, já que fui o único culpado pelo acidente, caindo de maduro. Mas pode ser o caso de alguns belos exemplos que vi numa matéria aqui no jornal chamada “Escadas esculturais”.

Eram de fato verdadeiras esculturas, competindo com as obras de arte da sala em que estavam. Um espetáculo! O problema é que, como as esculturas não foram feitas para nelas se subir ou descer, costumam constituir-se em belas mas arriscadas travessias.

Uma em especial chamou minha atenção. Eram nove degraus (ou “degrais”, como dizia Alice antes de se tornar moça culta), presos apenas por uma extremidade na viga, dando a impressão de lâminas flutuando no ar. Detalhe: nada de corrimão. De um lado a parede lisa e do outro o vazio. Os autores desses projetos mais arrojados advertem que eles se destinam a “solteiros ou a casais ainda sem filhos”. E que não recebam também visitas de crianças ou velhos.

Na idade das quedas, ainda prefiro o princípio formulado pelo arquiteto americano Louis Sullivan: “A forma segue a função”, que é a finalidade. Ou seja: uma escada ou uma calçada serão tanto mais bonitas quanto menos risco oferecerem.

 

Calçadão de Ipanema – Foto: Leticia Tavares

 

Zuenir Ventura é jornalista