Aos 92 anos, morreu na manhã do domingo (22), o pesquisador e professor pernambucano Edson Nery da Fonseca, uma referência na biblioteconomia brasileira

O professor e escritor Edson Nery da Fonseca, em sua casa, ao lado de seus livros
Edson: O fôlego da linguagem
A principal característica do intelectual moderno é dominar ou abranger, em seu conhecimento, um campo restrito, que permeia e alcança, em todo o seu conteúdo, ou seja, intensamente marca e esgota, tornando-se especializado nesse domínio.
Diverge desse caráter ou a essa configuração não atende o intelectual e humanista pernambucano, Edson Nery da Fonseca.
A marca principal de Édson é a polivalência daí sua presença intelectual e ação cultural em biblioteconomia, Gilberto Freyre, ensaísmo criador, Jornalismo literário, conhecimento em Bandeira e da melhor poesia brasileira .
Porém é no âmbito do humanismo que mais alto soa o nome e a fama (por timidez cerrada) do magnânimo intelectual pernambucano, Édson Nery da Fonseca
“Édson, com toda sua mocidade, não é dos que torcem o nariz ao passado: sabe prezá-lo, compreendendo-o, sem renegar o seu tempo”. Essa avaliação de Mário Sette sobre Nery da Fonseca mantém sua atualidade, e, se a ela acrescentarmos algumas medidas, tais como, entusiasmo de franciscano,paciência de beneditino, alma mística em corpo imponente, olhos de um azul holandês, servo dos livros, amante da Literatura, tudo sob a égide de um férreo lastro moral e uma profunda e espontânea religiosidade, tanto espiritual quanto estética, obteremos o conceito do que seja o homem do século, o verdadeiro scholar, intelectual puro, sempre a serviço da razão e da emoção, em proporções humanas.
Um misto de mestre e aprendiz, de servo e senhor dos livros, de alguém sempre em estado de poesia, de solitário em tempo integral, habitante do espaço monacal e homem do século e das luzes do mundo, imerso nos rumores da vida, atento, tanto à lucidez quanto à desídia dos homens; um misto de dândi e cavaleiro, austero, fleumático, ágil e sólido, pistas conceituais de um eu raro, chamado Édson.
Mas o traço supremo, quase absoluto, definidor das feições espirituais, das profundas nuances intelectuais, da austeridade ágil, da impaciente energia que circula nas veias humanas desse ser em estado de poesia, que é Édson,é a cal felina que vela sua alma, o timbre anímico que aprofunda seus olhos, a magia de seu espírito secular e supermoderno, sempre atualizando o futuro e cativando o passado com presentes que cristalizam a memória e a perpetuam: os livros, inestimáveis objetos de estimação.
O afeto ao espírito felino, a mordacidade azul, os gestos pacientes e agudos, lances d’olhos cruciais da altura de um pensador sereno e profundo; auras mágicas e puras que o percorrem, independência e solidão conscientes, personalidade como marca humana, astúcia, impassibilidade ante o trivial, o efêmero, o infra-humano; e habilidade e argúcia sobre-humanas, eis os traços de Édson: o fôlego da linguagem.
Com essa citação-homenagem ao homem da palavra felina, ao antropobibliocêntrico, como o adjetivou fraternalmente Houaiss, ao venerável Edson Nery, rende-se admiração, levanta-se o aplauso pelo concurso de sua inteligência fulgurante e disponibilidade ímpar sempre a serviço da cultura de Pernambuco e do Brasil, louve-se o escritor maior e irmão perene e felino.