Teatro brasileiro buscou inspiração no jornalismo, mostra pesquisador da USP

Durante as décadas de 1950 e 1960, as produções teatrais brasileiras tiveram forte influência do noticiário. Os espetáculos cruzavam caminhos com as manchetes de jornais para dramatizar histórias reais, aproximando o jornalismo das artes cênicas. Esse assunto acabou levando o jornalista José Petrola Filho a desenvolver a pesquisa “Jornalistas e dramaturgos: influência da prática jornalística na dramaturgia no Brasil em meados do século XX”.
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José Petrola Filho pesquisou as influências do jornalismo no teatro brasileiro
O trabalho de Petrola evidenciou como o noticiário pautou as produções teatrais durante os anos de repressão à liberdade de expressão. Obras como “O poço”, de Helena Silveira (1950); “O beijo no asfalto”, de Nelson Rodrigues (1961); “Vereda da salvação”, de Jorge Andrade (1964); “Barrela”, de Plínio Marcos (1959); e “Liberdade, liberdade”, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel (1965); são algumas das peças analisadas pelo estudo.
“O que se nota muito é como a linguagem da dramaturgia se aproxima do jornalismo. Quando um autor de teatro pega para montar uma peça um fato que foi noticiado em um jornal, e coloca aquilo no palco, ele está querendo trazer ao teatro o papel do jornalismo. É pegar um fato relevante na atualidade e colocar em discussão, levar o público a se conscientizar e propor um debate”, defende Petrola.
O autor do estudo é integrante do Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura (Obcom) da Escola de Comunicações e Artes, na Universidade de São Paulo (USP). O ponto de partida para sua pesquisa foi o Arquivo Miroel Silveira, formado por documentos da censura prévia ao teatro no Estado de São Paulo entre 1930 e 1970. Outras fontes pesquisadas foram acervos de jornais, como a Folha de S. Paulo, e na Hemeroteca do Arquivo Público do Estado de São Paulo.

Em seu estudo, o pesquisador aponta também como o trabalho nos palcos influenciou o texto de alguns autores, que, após deixarem o tablado, passaram a atuar na imprensa. “Alguns autores que se tornaram jornalistas, como o Jorge Andrade e o Plínio Marcos, trabalharam muito com um jornalismo literário. O estilo de escrever, a forma de descrição das cenas, era um estilo que lembrava muito o da dramaturgia”.

Petrola aponta que, mesmo nos dias de hoje, as produções teatrais ainda encontram inspiração na mídia. Ele cita como exemplo o caso da peça “Edifício London”, espetáculo montado pelo grupo de teatro Os Satyros, cuja encenação foi proibida em 2013 por se inspirar livremente no caso de Isabella Nardoni. “Ainda há autores que buscam esse papel jornalístico para o teatro”.
Por fim, o jornalista ressaltou a riqueza das produções culturais nas décadas de 1950 e 1960, peças marcadas pelo debate de problemas da sociedade. Nesse aspecto, o noticiário acabou sendo usado como fonte de inspiração para diversos artistas, dos mais variados meios.
“A aproximação do teatro com o jornalismo não aconteceu por que esses autores foram jornalistas. Na verdade, eles só se tornaram jornalistas depois de trabalhar no teatro. Aconteceu por conta desse movimento na cultura brasileira que acreditava no papel da arte de conscientizar e de transformar a realidade”, finaliza