Por Lucas Carvalho
Romance, suspense, ficção-científica e fantasia são alguns dos gêneros literários que permitem a seus autores contar histórias com espaço para imaginação e subjetividade. Ao contrário do texto jornalístico, que varia em seus estilos, mas sempre lida com a verdade dos fatos e a isenção de opinião. Apesar da distância entre um mundo e outro, poucos são os jornalistas que resistem ao charme da literatura.
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Miriam Leitão e Carlos Orsi
Miriam Leitão é colunista do jornal O Globo, comentarista na rádio CBN e apresentadora na GloboNews. Ela que já foi repórter nas redações da Gazeta Mercantil, Tribuna de Vitória, revistaVeja, entre muitas outras, revela que a ficção surgiu em sua vida antes do jornalismo factual.
“Eu sempre me interessei por literatura. Eu li muito na infância, de tudo o que você pode imaginar, até alguns livros que não eram tão comuns para a minha idade. […] Mas eu gostava muito de ler e também de escrever. Então, eu sempre achei que fosse fazer alguma coisa nessa linha, mas não sabia ainda muito bem por onde eu ia”, conta Miriam.
Apesar da tenra paixão pelos romances, a carreira começou por uma estrada diferente. “Acabei o ensino médio, estava procurando emprego e tinha acabado de passar no vestibular para História. Procurei um anúncio de emprego no jornal e o primeiro que vi era o de trabalhar na própria Tribuna de Vitória. Então, eu fui! Feliz da vida, fui fazer o teste, já que eles só exigiam segundo grau completo. Passei e só precisei de 24 horas pra saber que era aquilo que queria fazer para o resto da vida”, diz.
Semelhante foi o desenrolar da carreira de Carlos Orsi. Como repórter e colunista de ciência noEstado de S. Paulo, onde atuou por 14 anos, o jornalista revela que a profissão “não era o plano original”. “Eu sempre quis ser escritor. O jornalismo, quando eu comecei a frequentar a faculdade, foi meio que uma solução de conveniência: eu precisava pagar as contas. E literatura no Brasil, se você não for o Paulo Coelho, está meio ferrado”.
Orsi é autor dos livros “As Dez Torres de Sangue”, “Guerra Justa”, “Nômade”, entre outros, além de uma série de contos de ficção-científica. “Meu plano original era ser um jornalista medíocre e um grande escritor. As coisas acabaram meio que ao contrário”, brinca. Ele admite, entretanto, que o jornalismo acabou se tornando paixão ao longo dos anos. “Consegui abraçar o jornalismo com menos obrigação e mais prazer.”
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Eliane Brum e Eduardo Spohr
Influências
Segundo Eduardo Spohr, jornalista formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e autor da série de livros de fantasia “A Batalha do Apocalipse”, escrever ficção lhe ajudou a perder o medo da “página em branco”. “Jornalista não pode mitificar o processo de escrita. Não podemos esperar um dia inteiro para escrever uma matéria. Temos que sentar e escrever, fim de papo. O jornalismo me tornou um profissional da escrita – não da literatura em si, mas da escrita mesmo”, diz.
A experiência como repórter também ajudou na construção do toque literário da carreira de Eliane Brum. A jornalista é vencedora de mais de 40 prêmios por suas reportagens especiais no Brasil e no mundo, muitas das quais publicadas em livros. Mas só em 2011 lançou seu primeiro romance “Uma Duas”. Para ela, é impossível desvencilhar o olhar jornalístico do de escritora.
“Sou marcada pela experiência como repórter. Não saberia quem eu sou se tivesse que separar essa experiência de mim. Como escritora, sou tão influenciada pelos personagens literários que me alcançaram e me transformaram durante toda a minha vida quanto pelas pessoas anônimas que me contaram suas histórias nos últimos 25 anos de reportagem”, diz Eliane.
Na mesma trilha, segue o jornalista Luiz Taques, premiado com um prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos em 1991 e autor do recém-lançado romance “Pedro”. “Como repórter, sempre ouvi mais do que falei. Não sou um repórter perguntador – sou quase 100% observador. Nem gosto de coletiva! Da reportagem de rua levei para a literatura a observação aguçada”, diz.
Segundo Miriam, a literatura pode enriquecer o texto jornalístico e vice-versa. “Uma boa reportagem precisa de técnicas de texto que são originalmente literárias. […] A literatura e o jornalismo conversam o tempo todo. Não só não existe conflito, como eles são complementares. Quem escreve bem, é porque leu muita ficção”, afirma.
O romantismo da profissão
Para Orsi, a linguagem jornalística, apesar de ser mais rígida em suas formas e regras, também tem um toque de arte. “Você ser obrigado a comprimir a informação mais relevante no menor espaço possível acaba podando um pouco, claro, a expressividade, comprometendo até a qualidade do texto. Mas isso é inevitável. Mas o jornalismo escrito é, fundamentalmente, literário. Da mesma forma que todo documentário é cinematográfico, todo jornalismo é literário”, diz.
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Luiz Taques
Spohr, por outro lado, vê uma crescente preocupação na imprensa com a qualidade do texto jornalístico. Para ele, a mídia tem encontrado espaço para a sensibilidade sem perder a objetividade. “É bacana ler uma crônica, com um texto mais bem elaborado, mas também é importante saber passar a informação de maneira rápida e objetiva nessa correria do mundo atual. […] Fico feliz em ver que os veículos de imprensa, e também os blogs, estão caminhando no sentido de se tornarem mais opinativos. O que nos torna humanos são as nossas opiniões, os nossos pensamentos e a nossa capacidade de raciocinar, e não os fatos”, afirma o autor.
Por fim, Miriam afirma que mesmo o avanço da tecnologia, a urgência das mídias digitais, não prejudica o potencial do jornalismo como gênero de literatura. “A comunicação vai dos 140 caracteres ao livro. O mundo é vasto, cada um tem que encontrar a linguagem para cada espaço. Em vez de ficarmos assustados com as mudanças, temos que ficar felizes: existem janelas novas.”