POEMA

  Os grandes enjeitados

                               Euclides da Cunha           

Servis!… dançai, folgai – na régia bacanália… 
Quadro-voz essa luz que nos raios espalha 
A treva e o crime atrai!…

Valsai – nesse delírio atroz, brutal que assombra – 
Folgai… a grande Luz espia-vos na sombra! 
Folgai, cantai – valsai!…

Que vos importa – ó vis, caricatos atletas – 
Se o povo dorme nu – nas lôbregas sarjetas – 
Entre o pântano e os Céus!….

Q’importa se essa luz – faz as noites da História! 
Q’importa se os heróis ‘stão entre a lama e a Glória 
Entre a miséria e Deus!…

Q’importa-vos a dor; – a lágrima brilhante 
Do seio dos heróis -, estrela palpitante 
Que ao céu do porvir vai…

Q’importa-vos a honra, a consciência, a crença, 
A justiça, o dever!?… ah! vossa febre é imensa! – 
Folga, folgai, folgai!…

Q’importa-vos a Pátria…a pátria – é-vos um nome!…. 
Q’importa-vos o povo – esse galé da fome – 
Ó cortesãos, ó rei!?

Se o olhar das barregãs, de amor e febre aceso 
Vos ferve dentro d’alma – e se o direito é preso 
Nessa grilheta – Lei!

Fazeis bem em rir – ó pequeninos seres… 
O crime, o vício e o mal são os vossos deveres – 
Avante pois – gozai…

Atufai-vos – rolai ó almas guarida – 
No abismo fundo e frio – o seio da perdida!… 
– Cantai… cantai, cantai!…

Gritai com força! assim… não percebeis agora 
O eco de vossa voz?… – de vossa voz sonora – 
Tremer na vastidão!?

Não ouvis as canções que o seu frêmito espalha?… 
Ele desce de Deus – ó dourada canalha – 
Ele é – Revolução!…

 

 Euclides Rodrigues da Cunha (Cantagalo, Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 1866 – Rio de Janeiro, 15 de agosto de 1909) – Além de muito conhecido pela prosa, Euclides também foi poeta, jornalista, geógrafo e engenheiro. Escreveu o notório Os Sertões – Campanha de Canudos e diversos artigos publicados nos jornais que trabalhou ao longo de sua vida.