| A triste realidade de uma estrela que se apaga Hérlon Cavalcanti É com muita tristeza e pesar que trago ao público, nesta data, uma das decisões mais difíceis de toda a minha vida: a desfiliação do Partido dos Trabalhadores em todas as suas instâncias partidárias. Um partido pelo qual, em 1989, me apaixonei e fui aos poucos, com meus sonhos de jovem, militando e alimentando desejos atrelados a grandes utopias na direção de uma sociedade que gritava, gemia e desejava um país com nova cara e forma de fazer política. Foi assim que, aos poucos, fui entendendo o meu papel nesse cenário. Foi essa escola que me abriu as portas do destino em busca de novos voos. Lembro-me que nos primeiros encontros, com alguns companheiros, foi passada uma relação de três livros para que eu fizesse algumas leituras: O Desafio Educacional (Florestan Fernandes), História Econômica do Brasil (Caio Prado Júnior) e Sociologia Crítica – Alternativas de Mudanças (Pedrinho Guareschi). Durante três meses mergulhei no estudo dessas obras e, aos poucos, fui entendendo que país é esse. Logo em seguida, fui convidado para discutir sobre aquelas leituras, um momento marcante da minha juventude. Minha formação política marxista e socialista nascia ali. O tempo foi passando e em cada campanha política, um desafio para conquistar. Sempre dei o melhor de mim e não me arrependo. Conseguimos avançar e aos poucos foram surgindo os primeiros parlamentares eleitos pelo Partido dos Trabalhadores em todo país. Vivíamos em uma sociedade aprisionada por falsos discursos e moralistas, práticas distorcidas. Apesar desse contexto, tivemos as primeiras vitórias. Sei também que não posso negar, jamais, os avanços em muitos setores da sociedade que o partido alcançou durante esses doze anos a frente do Governo Federal, mas também não posso negar o fato de que a população, na investida de melhorar o poder aquisitivo, vem cada vez mais se endividando, enquanto os bancos privados e públicos batem recordes de lucros e o governo acaba sucateando e privatizando o patrimônio público com gastos e despesas exuberantes, com metas precárias e planejamento estratégico produtivista. E o Produto Interno Bruto ficando cada vez menor. O que de fato me levou a tomar a decisão de sair do Partido dos Trabalhadores? Maturei, pensei muito, conversei, pedi conselhos, reuni o nosso movimento, escutei as vozes das ruas e voltei a ler os livros citados. Nesse contexto, cheguei a tantas reflexões e indagações que me fizeram encarar, de frente, que eu não caberia nesse espaço/lugar. Abaixo socializo em pontos algumas dessas indignações partidárias: 1. A maldita “governabilidade” em busca de novos aliados levou o PT Nacional a esquecer suas bandeiras de lutas, nomes como: José Sarney, Fernando Collor de Melo, Romeu Tuma Júnior, Renan Calheiros, Paulo Maluf e Marcos Valério, figuras tarimbadas na política, direitistas de carteirinhas, que subiram nos palanques eleitorais e se apresentavam no grupo de “aliados” na febre do “lulismo”, que se espalhou em todo Brasil. Maus exemplos, contaminando os estados e os municípios por onde o PT governava ou era aliado, uma varredura e falta de coerência, ética e compromisso social, substituído pela busca de lucros e poder. O resultado disso: governos fascistas, desfiliações em massa, mortes de alguns militantes e o escândalo do mensalão. 2. O PT esqueceu as suas bandeiras de lutas com os trabalhadores e fortaleceu a distância entre a prática e a teoria. Uma leitura que se apresenta notória nos exemplos e questionamentos que são feitos sobre o que é ser de esquerda. Ao invés de estar na luta, se refugia em gabinetes e diz que senta em mesas de negociação, que faz comunicados e apresenta crescimento em nome do achatamento da dignidade do ser humano trabalhador, colocando a camada popular na lógica do consumo e não do direito. Gestões que oferecem serviços que custam caro a uma ética e identidade política eleitoral, partidária e social. Pergunto-me: isso não tem cheiro de uma lógica capitalista e neoliberal? 3. A falta de diálogo de muitos dirigentes com os filiados, promovendo mais um afastamento das suas bases com os sindicatos e associações de bairros, ou quando se aproxima é no viés da domesticação e arrebatamento em meros tempos de processo eleitoral; a falta de formação política em seus diretórios, a entrada maciça de milhares de “filiados” no estrelismos midiático, levou a falência do socialismo de verdade. Imaginemos o tamanho do que essa situação demandou as esperanças de um horizonte político diferente. 4. O clientelismo e a busca insensata por cargos fizeram o partido se igualar, perante a sociedade, como uma sigla qualquer, uma legenda ‘partida em pedaços’ e em nome da governabilidade, tudo. Parece até grito de torcida organizada e não palavras de ordem que me remetem a bons tempos de lutas sociais, onde as palavras e frases tinham peso de mobilização numa outra perspectiva. 5. O modelo econômico neoliberal, visando lucros e esquecendo o desenvolvimento humano, social e justo se revela no discurso de aquecer a economia no desejo da superação das injustiças como prato principal e, no entanto, fazer o cozimento no forno do capital. Para mim isso significa não reconhecer que o gosto vai sair impregnado de outro sabor. 6. O pragmatismo político. As vozes das ruas disseram “queremos modelo Fifa em todos os setores”. Isso dói, isso machuca e nos coloca frente a frente com um modelo perverso de fazer e pensar política. Até porque, podemos fazer uma diferenciação entre ter recursos públicos para muitas coisas e os seus destinos e os seus fins. A questão não é o “Padrão Fifa” e sim o que temos como gestão pública para uso dos recursos e a ética de sua aplicabilidade e em nome de quem. 7. A briga interna das suas correntes, tendências ou coletivos em busca de “espaços” e interesses pessoais, uma “liderança” que não aceita opiniões e sim balançadores de cabeças, uma dura realidade que se alastra em todo país, e sem pisar no freio, atropelando seu maior patrimônio: os militantes e filiados. 8. O PT adotou um discurso nacional de comparar governos, quem faz mais ou menos, qual o governo que teve mais corrupção. Isso não cabe mais a uma sociedade pensante; é preciso fazer sempre o melhor. É querer nivelar quem pensa pelo nível dos grandes intelectuais tem sido feito na lógica do discurso competente, negando ou sonegando a capacidade de pensar e resolver suas demandas a partir do conhecimento popular, colocando os conhecimentos em rivalidades e que o povo precisa estar na lógica do refém de quem pensa e não de quem deseja ampliar seu potencial de sujeito histórico e de cultura. 9. Uma grande contradição do discurso do PT é a reeleição da presidente Dilma Rousseff. Existe preocupação com as alianças em todos os níveis, com dirigentes dos partidos de (direita, centro direita ou “esquerda”), que pensam qual o pedaço do bolo que vão comer? 10. A ganância do poder pelo poder levou a um processo de esgotamento político, de domesticação de militância e de pensar a bases pela lógica do cooptação, práticas que vem ganhando como saldo uma sociedade que não acredita mais em partidos políticos, nem em figuras políticas a não ser na lógica do que terá em troca. O povo vem sendo conduzido a não acreditar na luta, mas na conveniência das lógicas políticas. Estão competentes sim, mas na sofisticação do capital. 11. O PT não comparecer nos atos públicos da cidade ou alguns integrantes irem mascarados para não mostrar seus rostos com medo, porque está vinculado a governos e pior, para prestar-se ao papel do ato de vigiar para perseguir é inaceitável para mim e pra qualquer petista de verdade. O partido nasceu dessas bandeiras de lutas e podemos observar nas ruas em dezenas de passeatas, já ocorridas em defesa dos trabalhadores, que hoje a presença do PT é sentida pela ausência. 12. Chego à conclusão que após 25 anos de militância não posso mais me posicionar no PT e sua instância partidária com o desejo da mudança na forma de pensar e governar. Muito petistas abandonaram o estatuto do partido, esquecendo regras e principalmente que a base de tudo está na diferença, no diálogo e nas ideias. Urge retomar a compreensão de diálogo, pois a primeira prática que o fere é sentar é fazer comunicados, discursos unilaterais, e orientações unidirecionais, mediar interesses. Os que temos, na sua grande maioria, são burgueses e pequenos burgueses, usando as vestes de socialistas e com práticas que fragilizam o processo humano político-social. Para finalizar, saio do PT pela porta da frente, pois se alguém pensava que eu estava no PT e me desfilaria por que ocupava um cargo no Governo do Estado, na Secretaria de Cultura, pensou errado, se enganou, quebrou a cara. Falei por diversas vezes na imprensa que só iria me posicionar sobre esse caso quando recebesse um comunicado oficial do PT de Pernambuco. O partido tem todos os meus contatos e sabe onde me encontrar. Não iria jamais ser desligado de um cargo político por tabela ou mesmo por interesses de muitos. Pois bem, recebi esse comunicado dia 14/02/2014, uma sexta-feira, pelas mãos do presidente municipal Adilson Lira, praticamente às 22h. Na segunda-feira, dia 17/02/2014, encaminhei, pela manhã, minha carta solicitando exoneração do cargo de Assessor de Articulação dos Agrestes, faltando agora, apenas, os tramites da secretaria e a publicação no Diário Oficial do Estado. No dia 21/02/2014, em reunião, à noite, com o presidente do PT Municipal, Adilson Lira, entreguei minha carta de desfiliação do PT, que vai ser apresentada oficialmente na próxima reunião do diretório local. Vou continuar sempre construindo novos caminhos e participando ativamente das lutas dos trabalhadores, pois isso é o que me inspira e que me faz viver enquanto sujeito político. Termino com um pensamento do nobre poeta Gonzaguinha: “Nunca se entregue, nasça sempre com as manhãs. Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar. Fé na vida, fé no homem, fé no que virá”. Jornalista.
fonte:blogmagno |