Não dê ouvidos à ´voz de domingo´


Modos de macho, modinhas de fêmea & outros chabadabadás
    POR XICO SÁ

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É como dar ouvidos à maldade alheia, creia, como no alerta da canção de Roberto & Erasmo.

Não caia no agá deste dia encarnado na alma e no calendário.

Repito aqui, pela nonagésima vez, é o domingo que pega, nega.

É no domingo, na falta dele(a) para o almoço de sempre, que os bichos escrotos da cabeça assanham o juízo.

É neste dia que ouvimos a “voz do domingo”-explico aí ladeira abaixo desta crônica.

A enganosa voz do domingo prenhe de falsas promessas amorosas. Perigo. Você está carente e cai no conto.

Domingo não é feriado no reino da Carençolândia, todo cuidado é pouco.

O domingo do golzinho fanhoso no radinho de pilha do porteiro -Melancolia 5×0 Você no placar eletrônico do espírito.

O domingo em que o solitário operário de mais um espigão do Recife põe só os olhos esbugalhados de ex-homem-caranguejo para fora do tapume da construção em Boa Viagem.

É o domingo que pega. Por isso lembrei agora, em um rolê amoroso no circuito Pompeia/Perdizes, de Ilia, uma das mulheres que mais amei no cinema.

Musa absoluta do Mediterrâneo, Ilia era uma grega que recusava as tragédias escritas na sua terra, preferia sempre um outro final para tais histórias.

Daí contava o mais triste das desgraças caseiras, como Édipo-Rei, por exemplo, sempre com epílogo de felicidade. Ninguém matava ninguém, muito menos filho e pai, a mãe só entrava no meio e, no “the end”,  todos espocavam champanhe no litoral.

Conheci Ilia em “Nunca aos domingos”, filme de 1960, dirigido por um bravo Jules Dassin, homem perseguido nos EUA por causa das suas ideias generosamente comunistas.

Ilia é uma bela e caridosa prostituta. Quando gosta mesmo de um cara, não cobra nada. Em um bar na beira do cais, brinca de transformar o trágico em leveza. Os marinheiros e demais convivas riem abestalhados com tamanha graça da gostosa.

Ela ama a vida, desde que nunca ouça o que chama “a voz de domingo”, a conversa fiada do homem apaixonado (ou carente, vide foto na cumeeira deste post) que lhe pede em casamento. Ela quer apenas se divertir. E pronto.

Mas eis que chega Homero, um norte-americano abestalhadíssimo que vai para a Grécia estudar as razões da derrocada do macho helênico. A pretensão é entender porque um povo tão sábio, cujos guias foram Sócrates e Aristóteles, entre outros bambas, está entregue à farra, à esbórnia e à banalidade.

Ele tenta, de todas as maneiras, tirar Ilia daquela vida. Só o conhecimento salva, abestalhado iluminista gringo. A loira (a atriz Melina Mercouri) até que cai um pouco no conto do mala, mas logo se recupera. Apenas um pequeno drama.

Mas o lindo é que continua convicta na sua forma de narrar qualquer história que um dia tenha sido trágica. O final, para a galega, terá sempre que ser feliz, solar (como diz aquele personagem do filme “Tatuagem” e litorâneo. E tudo acaba na beira-mar, diz a gênia, no seu mantra permanente.

Que a sabedoria da nossa puta filósofa reine neste domingo.

 
Xico Sá é escritor, jornalista e colunista da Folha