“A arte é o espelho da pátria.
O país que não preserva os seus valores culturais j
amais verá a imagem de sua própria alma.” – Chopin
Raymundo Faoro nasceu em Vacaria, nono distrito, (RS), em 27 de abril de 1925. Faleceu no Rio de Janeiro em 15 de maio de 2003. Filho de agricultores, depois de 1930 sua família mudou-se para a cidade de Caçador (SC). Lá fez o curso secundário, no Colégio Aurora. Formou-se em Direito, em 1948, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Transferiu-se, em 1951, para o Rio de Janeiro, onde advogou e fez concurso para a Procuradoria do Estado, de onde se aposentou.
Colaborou na imprensa desde o tempo de estudante universitário. Co-fundador da revista Quixote, em 1947, escreveu para diversos jornais do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Além de jurista, foi um dos mais importantes cientistas sociais brasileiros, autor de ensaios de direito e ciências humanas. Referência obrigatória na teoria política do Brasil contemporâneo, Faoro conquistou o respeito dos intelectuais do país através de suas análises críticas do Estado, que contribuíram para o desenvolvimento da literatura crítica nacional.
Seus leitores mais críticos (entre os quais Mino Carta e Bob Fernandes) lhe atribuíram dons proféticos. Em Os donos do poder, publicado em 1958, analisou a formação do patronato brasileiro e buscou as raízes de uma sociedade na qual o poder público é exercido, e usado, como se fosse privado. É um teorema que Faoro demonstrou percorrendo a história luso-brasileira dos seus primórdios até Getúlio Vargas e antecipando os rumos seguintes. Em enquete feita pela revista Veja com os principais intelectuais brasileiros, este ensaio foi incluído entre os vinte livros mais importantes já publicados por autores brasileiros.
No ensaio A pirâmide e o trapézio, publicado primeiramente em 1974 (mesmo ano da reedição revista e ampliada de Os donos do poder), Faoro interpretou com mestria e originalidade a obra de Machado de Assis, cuja mensagem está na dissecação da sociedade da capital do país no final do século XIX. Ao escrever seu ensaio levou em conta os estudos machadianos até o início dos anos 70, dialogando especialmente com Augusto Meyer, Eugênio Gomes, Astrogildo Pereira, Raimundo Magalhães Jr., e também Sílvio Romero.
Este vasto estudo sobre Machado de Assis pode ser visto como uma continuidade e um complemento do ensaio anterior. Seu grande objeto de estudo era ainda o Brasil, pois pretendia captar a vida que Machado de Assis infundiu em seus personagens e ao Brasil, o funcionamento concreto e cotidiano da ação dos donos do poder e seus agregados, a presença dos valores e da ideologia, os vícios e as virtudes, a constrição das instituições (família, Estado, igreja), os preconceitos, o amplo e variadíssimo jogo da vida social e individual.
Foi presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, de 1977 a 1979. Lutou pelo fim dos Atos Institucionais e ajudou a consolidar o processo de abertura democrática nos anos 70. Com ele a sede da OAB, no Rio, transformou-se num front de resistência pacífica contra o regime militar. Partiu de lá a primeira grande denúncia circunstanciada contra a tortura de presos políticos. No governo João Figueiredo lutou pela anistia ampla, geral e irrestrita. Com a anistia e a retomada das liberdades políticas, a casa de Faoro nas Laranjeiras tornou-se lugar de encontro de políticos como Tancredo Neve e Luís Inácio Lula da Silva. Este propôs, sem sucesso, que Faoro entrasse na disputa presidencial em 1989, como candidato a vice-presidente.
Desde o momento em que deixou a OAB, foi colaborador permanente da revista Senhor (segunda fase), inspirador e parceiro na revista IstoÉ e no Jornal da República, das quais foi presidente. Colaborou também na revista Carta Capital.
Recebeu o Prêmio José Veríssimo, da Academia Brasileira de letras (1959); Prêmio Moinho Santista – Ciências Sociais -1978 (foi o terceiro premiado, depois de Fernando de Azevedo e Gilberto Freyre); Medalha Teixeira de Freitas, do Instituto dos Advogados do Brasil.
É o quinto ocupante da Cadeira 6, da Academia Brasileira de Letras – ABL, eleito em 23 de novembro de 2000, na sucessão de Barbosa Lima Sobrinho e recebido pelo Acadêmico Evandro Lins e Silva em 17 de setembro de 2002.
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“O desenvolvimento não pode ser matéria de decretos, nem é assim que uma nação aprende de outra. Uma elite não pode, pela compulsão, pela ideologia, gerar a nação. A nação que quer se modernizar sob o impulso e o controle da classe dirigente cria uma enfermidade, que a modernidade, quando aflorar, extirpa, extirpando os Modernizadores. Todos os países que sofreram modernizações (…) expulsaram, para que o desenvolvimento se irradiasse ao povo, a elite, a classe dirigente, a burocracia (…). A modernidade emergiu com a ruptura, construindo, sobre a ruína das autocracias o desenvolvimento, capaz de se sustentar com o movimento próprio, eliminando, juntamente com os males antigos, os males modernos. Todos deixaram de ser uma dualidade, uma imobilizada oposição de direções, para revelarem sua identidade cultural, num vôo próprio, dentro do universo, libertos da tradição e da contemplação nacional.”
– Raymundo Faoro, em “Existe um pensamento político brasileiro?”. São Paulo: Ática, 1994, p. 113.
OBRA
Capa do livro Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro |
Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre: Editora globo, 1958.
Machado de Assis – A pirâmide e o trapézio. Porto Alegre: Editora Globo, 1975.
A Assembleia Constituinte – A legitimidade recuperada. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1980.
Existe um pensamento político brasileiro?. Rio de Janeiro: Editora Ática, 1994.