Conselho Gestor do Centro de Vigilância Ambiental denuncia SEDA ao Ministério Público Federal

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Quando a participação popular faz a diferença

Por Noelia Brito

No último dia 15 de janeiro, o “Segmento Usuário” do Conselho Gestor do Centro de Vigilância Ambiental – CVA, da Prefeitura do Recife, viu-se obrigado a protocolar, sob o nº PR-PE-00001899/2014, junto ao Ministério Público Federal, uma representação contra a Secretaria Executiva dos Direitos dos Animais, esta vinculada à Secretaria de Governo e Participação Social, bem como contra seu titular, o vereador licenciado Rodrigo Vidal, em razão de uma séries de fatos que, segundo os Conselheiros daquele órgão, podem configurar desde improbidade administrativa até crime de desvio de finalidade na aplicação de recursos do SUS.

A leitura da denúncia e da documentação acostada é algo que realmente impressiona, pois, a se confirmarem as denúncias feitas ao MPF pelo CG/CVA, não se concebe que uma bandeira tão cara àqueles que militam em defesa dos animais e à saúde pública possa estar servindo tão somente de palanque eleitoral e eleitoreiro e até de cabide de empregos para os que dela se fazem portadores, através da criação da mencionada Secretaria. Esperamos, sinceramente, que este não seja o caso da SEDA, que conforme já escrevemos em artigo anterior, já vinha sendo alvo de muitas reclamações por parte de ativistas ligados à defesa dos direitos dos animais.

Acontece que desta vez a coisa realmente se potencializou em gravidade, pois as denúncias partiram de um órgão criado dentro da própria estrutura da Secretaria de Saúde do Município, órgão cuja finalidade é a participação da comunidade usuária e dos trabalhadores da unidade na gestão dos serviços de saúde oferecidos à população, pelo Centro de Vigilância Ambiental. O Conselho Gestor do CVA é composto por Conselheiros Titulares e 08 suplentes, dos quais, 04 titulares e 04 suplentes são indicação das entidades de proteção e defesa do meio-ambiente e dos animais, escolhidas mediante eleição direta, nos termos de Edital publicado pela Secretaria de Saúde.

É importante, portanto, que a comunidade saiba que tem representantes eleitos dentro do Conselho Gestor do CVA e que esses representantes têm competência para, entre outras atribuições: acompanhar a execução das políticas de saúde de responsabilidade do Centro de Vigilância Ambiental, de acordo com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS); propor e aprovar as diretrizes para elaboração do plano anual de metas da Unidade, em função do perfil epidemiológico e ambiental do Município do Recife e da necessidade de ações e serviços oferecidos à população; analisar, propor alterações e acompanhar os programas de orçamentos e recursos destinados à implantação e desenvolvimento das políticas de saúde ambiental do Município do Recife; fiscalizar a execução financeira dos recursos advindos de suprimentos e convênios de que disponha a Unidade, através da análise de suas prestações de contas; possibilitar o integral acesso a todas as informações sobre a estrutura e funcionamento da Unidade; avaliar o serviço prestado pela Unidade e sua integração ao SUS, propondo melhorias, quando julgar necessário; garantir espaços de participação da sociedade organizada na gestão da Unidade; analisar sugestões e propostas de trabalho, bem como denúncias acerca do serviço prestado pela Unidade; formar comissões de trabalho, permanentes ou provisórias; elaborar seu Regimento Interno, a ser aprovado mediante Portaria do Secretário de Saúde; Participar, conjuntamente com os demais Conselhos Gestores de Unidades Municipais ou Municipalizadas e com o Conselho Municipal de Saúde do Recife, das atividades de fortalecimento do controle social no Município do Recife e de construção e manutenção do SUS.

Está claro, portanto, que uma denúncia contra um secretário e sua Secretaria, partida de um órgão com essas competências não é algo que o Ministério Público, seja Federal, seja Estadual, possa desprezar.

É importante dizer, também que o Conselho Gestor só chegou ao extremo de denunciar a gestão municipal ao Ministério Público, após ver vários de seus pedidos de informações e de suas recomendações, sendo ele próprio um órgão deliberativo por competência, desprezados e sem qualquer justificativa.

Para se ter uma ideia, até a Lei de Acesso à Informação teve que ser invocada pelo órgão público, na busca de informações que seriam dever da SEDA e da própria Secretaria de Saúde fornecer, de ofício, a um órgão fiscalizador como o CG/CVA e ainda assim, mas nem assim as informações chegaram.

O Conselho Gestor do CVA, em um dos ofícios (Ofício CGCVA nº 12/2013) endereçados aos três secretários, Rodrigo Vidal, Sileno Guedes e Jailson Correia, chega a questionar qual a serventia dos 12 cargos comissionados disponíveis na estrutura da SEDA e toma como exemplo o cargo de chefe de mutirões e esterilizações que, segundo, os denunciantes, em apenas 10 meses, teria tido 3 ocupantes, o que demonstraria a inexistência de uma linha a seguir na secretaria. De fevereiro até a data do mencionado ofício, ou seja, 14 de outubro de 2013, a SEDA, afirmam os denunciantes não realizou um único mutirão de esterilizações, nem qualquer ação de educação ambiental, não apresentou qualquer planejamento nem divulgou um canal oficial de atendimento ao público.

O CVA é um Centro de Controle de Zoonoses, de acordo com o Parecer técnico nº 08/2012-CGDT/DEVEP/SVS/MS, solicitado pela própria Prefeitura ao Ministério da Saúde e que consta da denúncia ao MPF, e como tal é uma das unidades de saúde que compõem o SUS, recebendo recursos da União Federal para sua manutenção.

Para se ter uma ideia da falta de transparência enfrentada pelo órgão gestor do CVA quando obrigado a lidar com a SEDA, segundo a denúncia protocolada ao MPF, em 08 de Agosto de 2013, foi encaminhado o ofício SS/CG/CVA/SU Nº 08/2013, ao Secretário Rodrigo Vidal, com cópia ao Secretário de Saúde, Jailson Correia, da Secretaria de Saúde e Sileno Guedes, de Governo, sem que qualquer dos pontos ali abordados obtivesse resposta. Tomemos, por exemplo, esses relevantes temas de saúde pública e que dizem respeito direto às competências do CVA/SS, onde se questiona algo gravíssimo como a promoção de feiras de adoção em desacordo com as regras estipuladas pela OMS:

“Os eventos de adoção de animais promovidos pela referida secretaria não tem exigido que os animais doados, principalmente as fêmeas filhotes, sejam previamente castradas/esterilizadas.”

“Contudo, foi acordado, constando em ata de reunião ordinária pelo Conselho Gestor, que todos os materiais do CVA, como gaiolas, mesas e apoio logístico, não farão parte de eventos de adoção que não estejam em acordo com as regras estipuladas, incluindo a castração de fêmeas a partir do terceiro mês e machos a partir de um ano sendo felinos ou caninos. Fêmeas menores de três meses não devem participar dos eventos.”

“Mesmo assim os demais eventos continuaram ocorrendo com a mesma formatação, o que demonstra que o senhor e sua equipe estão atuando em desconformidade com o ‘tripé’ recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), desde 1992, que são: 1° o controle reprodutivo de cães e gatos que se dá pela castração e esterilização em massa, 2° o registro de todos os animais com o sistema de identificação (chipagem), 3° campanhas educativas em massa para guarda responsável; ficando desta forma claro que a SEDA Recife não possui um planejamento de controle populacional.”

“Assim, o Conselho Gestor se posiciona contrário a continuidade da parceria da Secretaria Municipal de Saúde e CVA/RECIFE com a SEDA nos próximos eventos, caso as condutas não estejam de acordo com as recomendações da OMS”

Outro ponto que foi questionado pelo Conselho Gestor do CVA em sua denúncia ao MPF foi o que considerou a utilização das ações da secretaria para promoção pessoal do secretário Rodrigo Vital, uma vez que a mesma página usada para sua campanha à vereança era utilizada para divulgar os eventos da SEDA e ainda sem que nenhum outro meio fosse utilizado:

“Argumentamos também sobre a campanha no dia 07 de Julho de 2013, através da página do Facebook intitulada “Rodrigo Vidal” onde a SEDA oferece a vacina decupla, que previne diversas viroses, entre elas a cinomose, para população de baixa renda. Consideramos que tal campanha, mesmo que estas vacinas tenham sido doadas, configure um desvio de finalidade no uso do dinheiro público por parte da SEDA”

“Na internet o único sítio eletrônico que publica informações, atos e ações da SEDA é na pagina de Facebook pessoal do Secretário Sr. Rodrigo Vidal, que pode ser acessada pelo endereço eletrônico www.facebook.com/RodrigoVidal12999, não necessitando de login ou senha, não precisando ser contato, amigo ou usuário do Facebook, bastando digitar o endereço no navegador e acessar.

Vale lembrar que o atual Secretário da SEDA, o Sr. Rodrigo Vidal, foi eleito vereador na cidade do Recife em 2012 com número de urna 12.999 e nome ‘Rodrigo Vidal’, sendo as mesmas informações que constam no endereço eletrônico mencionado acima. Sendo também o mesmo endereço usado no período eleitoral e ainda guarda imagens do pleito de 2012.”

Segundo, ainda, o Conselho Gestor do CVA, da Secretaria de Saúde da PCR, a SEDA não estaria cumprindo as medidas sanitárias de controle reprodutivo de cães e gatos previstos pela Lei Estadual nº 14.139, que dispõe sobre o controle de reprodução e regulamentação da vida de cães e gatos encontrados na rua no âmbito do Estado de Pernambuco, omitindo-se de, quando questionada, informar sobre os animais doados nos eventos promovidos pela Secretaria que o são sem terem passado pelo devido processo de esterilização reprodutiva, nos termos da lei estadual mencionada, além da identificação e do registro dos animais e promoção de campanhas educacionais para a conscientização pública da necessidade de realização das duas medidas antes mencionadas.

De acordo com denúncia feita pelo CG/CVA, a SEDA utiliza indevidamente as instalações do CVA para realizar algumas castrações, porém, realiza feiras de adoção em que entregaria animais sem que estejam devidamente esterilizados como manda a lei 14.139.

Segundo o Conselho Gestor do CVA, em sua denúncia, a Secretaria Municipal de Saúde recebe verba do SUS para manter o CVA, isso porque o controle reprodutivo de cães e gatos é um tema de grande relevância e que deve ser tratado como saúde pública. Já a SEDA estaria na contramão dessa política, ao fomentar um grande número de adoções de animais sem prévia esterilização reprodutiva. Ainda conforme a denúncia, a “prefeitura do Recife recebe verba federal para manter o CVA com clínica estruturada e pessoal qualificado para proceder a castração (esterilização) de cães e gatos de forma gratuita à população, enquanto que surpreendentemente a prefeitura promove diversos eventos de adoção de animais sem castrá-los previamente, de forma a gerar a longo prazo uma demanda ainda maior para a atuação do Estado relativo à saúde da população, uma vez que o controle populacional de cães e gatos não está sendo realizado a contento.”

Outro fato que nos causa estranheza é a informação, também colhida na denúncia do Conselho Gestor do CVA, de que a Prefeitura do Recife possui uma quantidade significativa de “microchips” em estoque e que, apesar disso, “a SEDA não chipa os animais em seus eventos de adoção”. É que segundo o denunciante, o “registro do animal deve ocorrer com uso de microchip subcutâneo (embaixo da pele), este micro-dispositivo contém um numero inviolável que é considerado mundialmente o meio mais seguro para identificação e registro de dados para controle reprodutivo da animais.”

Os Conselheiros do CG/CVA também estranham a inexistência de convênio formal entre a SEDA e a Secretaria de Saúde para que a primeira tenha passado a desempenhar funções que sempre foram do CVA e ainda mais tendo em vista a utilização de recursos federais oriundos do SUS para tal fim, daí porque a denúncia foi protocolada perante o Ministério Público Federal: “Mesmo considerando a hipótese de concorrência de competências, nada justifica a ausência dos trâmites legais para formação de convênio ou termo de ação conjunta entre o CVA e a SEDA, pois o CVA recebe verba do SUS e a SEDA se mantém com recursos municipais distintos da saúde. Este colegiado se posicionou de forma desfavorável ao que parece ser uma parceria; o CVA é um órgão de controle e monitoramento e não é recomendado que acolha a SEDA em suas dependências.”

Os Conselheiros do CG/CVA dizem ainda não entender “qual aspecto legal fundamenta a Prefeitura do Recife manter a política pública de castração gratuita através da SEDA, já que todos os procedimentos são realizados no CVA.” Ou seja, a política de castração estaria com a SEDA apenas como uma espécie de vitrine, porém, na prática, quem as realiza é o CVA e ainda com recursos do SUS. É que, segundo os Conselheiros, o “Centro de Vigilância Ambiental é órgão da Secretaria Municipal de Saúde, diferentemente da Secretaria Executiva dos Direitos dos Animais, que faz parte da estrutura da Secretaria de Governo e Participação Social; não se entende qual aspecto legal embasa a atuação da gestão da SEDA junto ao CVA.”

A denúncia também traz informações sobre as precárias condições do próprio CVA, já denunciadas em artigo anterior de nossa autoria e que teriam sido relatadas à atual gestão por meio do Ofício SS/CG/CVA/SU Nº10/2013, também entregue ao MPF, noticiando que o Centro de Vigilância Ambiental é um órgão com obras paralisadas, com problemas estruturais e dificuldade de gestão técnica. Segundo os denunciantes, o ofício em questão aguarda, até hoje, resposta por parte da administração municipal, da mesma forma que as eleições para a renovação dos mandatos do colegiado também não são objeto de preocupação da atual gestão. As eleições que já foram cobradas por meio do ofício SS/CGCVA Nº13 de 2013, ao Conselho Municipal de Saúde.

A Lei Municipal nº 17.819/2013 também foi questionada pelos Conselheiros do CG/CVA que entendem que a lei em questão, mais conhecida como “Lei das Carroças” estaria descumprindo recomendações do parecer técnico 08/2012-CGDT/DEVEPSVS/MS, do Ministério da Saúde, ao atribuir ao CVA competências ligadas à mobilidade urbana, portanto, estranhas a saúde pública, surto epidemiológico ou controle de zoonoses, havendo, segundo entendem, desvio de finalidade da utilização dos recursos do SUS destinados ao órgão.

O que se percebe, portanto, é que o CVA, através de seu Conselho Gestor e a SEDA vivem uma situação limite que a gestão Geraldo Júlio, embora de há muito ciente não foi capaz de solucionar, pois diferentemente do que apregoa, coloca a politicagem muito acima dos interesses que deveriam falar mais alto numa gestão pautada na eficiência. Com certeza esse não é um caso isolado e 2014 promete nos revelar as faces mais nítidas da meritocracia política da velhíssima nova política dos meninos de Eduardo.

Noelia Brito é advogada e procuradora do Município

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