Por Magno Martins |
| Dei um mergulho num fôlego só no livro “Cidinha, Guardando recordações”, escrito pela professora, poetisa e refinada intelectual Maria Aparecida Fernandes Pascoal, 80 anos, remanescente da Serra de Luís Gomes, no Rio Grande do Norte.
Mãe do recém-empossado presidente do Tribunal de Contas do Estado, Valdecir Pascoal, dona Cidinha me transpôs, com suas reminiscências poéticas, ao meu prazeroso país sertanejo, em Afogados da Ingazeira. Com uma memória invejável, um traço literário saboroso, dona Cidinha revela uma paixão alucinada por Luís Gomes, onde nasceu, viveu a infância e adolescência, conheceu Valdecir, seu primeiro e grande amor na festa de Santana, casou-se, constituiu família e ali curtiu 28 anos dourados. Professora, dona Cidinha teve seis filhos com Valdecir, farmacêutico salvador de vidas em Luís Gomes, homem de hábitos metódicos, mas amante dos bons prazeres da vida, que se realizou na família e na sua vocação de servir ao povo. A Luís Gomes que ficou marcada no coração e nas doces recordações de Cidinha tem uma serra, de onde se enxerga a olho nu o Rio Grande do Norte. De lá, se avista também as cidades Paraná e Major Sales com suas fazendas belíssimas. De outro ponto da serra também bem próxima está a Paraíba e a cidade de Uiraúna, berço natal da deputada e ex-prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, e de um amigo meu, o jornalista Jose Nêumane Pinto, editorialista do jornal Estado de São Paulo. “Cada canto da cidade tem uma paisagem de emocionar”, relata Cidinha, para em seguida mergulhar nas suas doces recordações de infância, como o bate papo na calçada em noite enluarada, a festa de Santana com suas novenas, as duas principais praças da cidade, que serviam para passeios, encontros e namoros. A Chapada de Camilo Soares, onde brincou muito debaixo de cajueiros, mangueiras e jaqueiras. A Feira do Pau, onde uma rua é Rio Grande do Norte e a outra já é Paraíba. As cachoeiras, a paisagem verde da época da invernada que, segundo ela, não deixa nada a dever aos verdes campos europeus. As viagens a Patos, onde estudou, Cajazeiras, Pau dos Ferros e Brejo das Freiras, um oásis com suas águas termais, além de Santuário do Lima (RN). Quando Luís Gomes completou 115 anos de emancipação política dona Cidinha fez uma verdadeira declaração de amor ao seu pedaço do céu em terra. “És altaneira, linda cidade! Nós te amamos, nós te queremos pequenina e bela, tal qual uma pedra preciosa encravada no anel dourado do Oeste norte-rio-grandense, na promissora junção de três Estados: Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará”, Dona Cidinha, a pedido da família, escreveu o livro no início do ano passado olhando para o mar, da varanda do seu apartamento em João Pessoa, onde mora hoje, já viúva, recordando os grandes momentos que viveu com “seu” Valdecir, a quem dedicou toda a sua vida numa paixão sem limites. Guardando as recordações é uma viagem de dona Cidinha as terras por onde ela passou, mas poderia muito bem ser também uma andança pelo meu sertão, para reencontrar também paisagens e amigos que deixei por lá. Ela escreve com a pena da saudade, rabiscada pelas dores do coração. Além de nos propiciar com um delicioso texto que tem cheiro de terra molhada e um doce telurismo, dona Cidinha cita Olavo Bilac, Luiz Gonzaga, Carlos Drummond de Andrade, Casimiro de Abreu, Humberto de Campos, Catulo da Paixão Cearense e poetas populares. Na leitura, conheci Anchieta e dona Mundica, pais do jornalista José Nêumane Pinto. Dona Cidinha diz que fez uma nostálgica peregrinação ao seu passado, começando pela aprazível Serra de Luís Gomes, descendo aos doces e aconchegantes oásis dos sítios São Miguel e Diamantino, seguindo para a abençoada e musical Uiraúna, onde também morou, chegando a Patos, que considera a Meca regional da educação. Mas o seu livro é mais do que isso. Ele faz bater uma grande saudade da vida doce e mansa no Interior. O que dona Cidinha viveu em sua Luís Gomes é muito parecido com o tempo dos meus anos verdes em Afogados da Ingazeira: o coreto da praça, as novenas, a conversa na calçada enluarada, os namoros no banco das praças, os fuxicos, as festas de rua, enfim, um tempo que não volta. A cada recordação de dona Cidinha eu lembrava uma frase de Rubem Alves, que resume perfeitamente tudo que ela escreveu: “A saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar”. |