Autor português,dá lição de escrita humana e sacrossanta
A estatueta de Saramago está numa espécie de altar em casa de valter hugo mãe. O escritor de “A máquina de fazer espanhóis” afaga-lhe a careca de vez em quando. Comprou-a para ter o “Oscar”, pois o prémio José Saramago 2007 que ganhou prescinde de estatueta. O autor de “O filho de mil homens”(sucesso de vendas) , e vocalista da banda Governo, que faz parte do cartaz do Festival de Paredes de Coura, sempre foi um rapaz totó. Deixou de o ser no Porto.
“Nenhum ser humano difere tanto de nós que não o possamos entender”
EIS UM QUESTIONAMENTO EM QUE O ESCRITOR COLOCA-SE EM CARNE VIVA: Eu acho sinceramente que nós temos as respostas para todas as preocupações das pessoas. Somos seres humanos. E nenhum ser humano difere de nós tanto que não o possamos entender. Intensificando as questões nós encontramos as respostas cá dentro. E através disso colocamo-nos no lugar dos outros. Acredito que esta espécie de inteligência emocional nos permite chegar ao lugar do outro. Eu parti para aquele livro, a partir de um episódio passado num café, em que alguém disse: ” Detesto esses gajos, detesto ucranianos e detesto brasileiros”. Foi tudo tão liminar e aquilo agrediu-me. E lembro-me de na altura pensar: “deves chegar ao fim do dia muito cansada por odiar tantos milhões de pessoas”. E achei que aquela questão me interessava, ainda por cima somos um país de fazer estrangeiros lá fora. Depois, tive uma conversa com um rapaz de 14 e uma conversa menor com um rapaz de 18. E foram os ucranianos que conheci melhor. Só depois de ter publicado o livro é que os ucranianos se aproximaram. Um, em Lisboa ofereceu-me um colar da sorte. E eu fiz-lhe uma pergunta que era muito importante para mim: “Se o meu livro respeitava o povo dele?” e ele disse-me que sim. Ele emocionou-se e eu também.
Foi poeta antes de ter descoberto a prosa quando, em três dias, “o nosso reino”, primeiro romance que publicou em 2004, lhe começou a aparecer no computador.
Por “o remorso de baltazar serapião”, segundo romance, recebeu o Prémio Literário José Saramago — Fundação Círculo de Leitores, o ano passado. Para o Nobel português, este livro foi “uma revolução”, “um tsunami, não no sentido destrutivo, mas da força.” Regressa agora. “o apocalipse dos trabalhadores” é um retrato do nosso tempo, uma história que se passa em Bragança.
Nasceu em 1971, na cidade angolana Henrique de Carvalho, mas cedo veio para Portugal. Fez a escola primária em Paços de Ferreira, onde viveu antes de ir morar aos nove anos para Caxinas, zona piscatória de Vila de Conde.
De vez em quando é dado a assombros de rebeldia. Na capa de um dos seus livros, “pornografia erudita”, é reproduzida uma fotografia em que aparece nu. Essa capa é posterior a “uma aventura ainda mais pirotécnica”, que foi a experiência de ser fotografado nu na Avenida da Liberdade em Braga, num domingo à tarde. “Precisava de me sentir fora de uma convenção, sentir que ainda tinha força para me reinventar.“
Um dos seus amigos, Paulo Brandão, programador do Theatro Circo em Braga, fez a instalação “o teorema de valter” para uma exposição no Museu Nogueira da Silva. “Ele só pensa em coisas escatológicas, tenebrosas e substancialmente imorais. Disse-me que eu ia ser o seu objecto de arte. Pediu-me as minhas unhas, cabelos, pêlos púbicos, urina e ainda esperma. É um dos meus melhores amigos e não tive como não me sujeitar à violência.“
Está a trabalhar numa exposição de artes plásticas que fará até ao final do ano e vai publicar um livro onde reúne a sua poesia. Mas nos últimos anos a relação com a prosa tornou-se tão fundamental que está “às aranhas”: muitos dos poemas nunca mais reeditará. Por estes dias, a única poesia que faz são letras para canções (para Mundo Cão, Clã, Rui Reininho, Paulo Praça). – See more at: http://blogues.publico.pt/ciberescritas/2008/08/01/entrevista-de-valter-hugo-mae-com-as-linhas-desaparecidas/#sthash.llbKDePn.dpuf
Foi poeta antes de ter descoberto a prosa quando, em três dias, “o nosso reino”, primeiro romance que publicou em 2004, lhe começou a aparecer no computador.
Por “o remorso de baltazar serapião”, segundo romance, recebeu o Prémio Literário José Saramago — Fundação Círculo de Leitores, o ano passado. Para o Nobel português, este livro foi “uma revolução”, “um tsunami, não no sentido destrutivo, mas da força.” Regressa agora. “o apocalipse dos trabalhadores” é um retrato do nosso tempo, uma história que se passa em Bragança.
Nasceu em 1971, na cidade angolana Henrique de Carvalho, mas cedo veio para Portugal. Fez a escola primária em Paços de Ferreira, onde viveu antes de ir morar aos nove anos para Caxinas, zona piscatória de Vila de Conde.
De vez em quando é dado a assombros de rebeldia. Na capa de um dos seus livros, “pornografia erudita”, é reproduzida uma fotografia em que aparece nu. Essa capa é posterior a “uma aventura ainda mais pirotécnica”, que foi a experiência de ser fotografado nu na Avenida da Liberdade em Braga, num domingo à tarde. “Precisava de me sentir fora de uma convenção, sentir que ainda tinha força para me reinventar.“
Um dos seus amigos, Paulo Brandão, programador do Theatro Circo em Braga, fez a instalação “o teorema de valter” para uma exposição no Museu Nogueira da Silva. “Ele só pensa em coisas escatológicas, tenebrosas e substancialmente imorais. Disse-me que eu ia ser o seu objecto de arte. Pediu-me as minhas unhas, cabelos, pêlos púbicos, urina e ainda esperma. É um dos meus melhores amigos e não tive como não me sujeitar à violência.“
Está a trabalhar numa exposição de artes plásticas que fará até ao final do ano e vai publicar um livro onde reúne a sua poesia. Mas nos últimos anos a relação com a prosa tornou-se tão fundamental que está “às aranhas”: muitos dos poemas nunca mais reeditará. Por estes dias, a única poesia que faz são letras para canções (para Mundo Cão, Clã, Rui Reininho, Paulo Praça). – See more at: http://blogues.publico.pt/ciberescritas/2008/08/01/entrevista-de-valter-hugo-mae-com-as-linhas-desaparecidas/#sthash.llbKDePn.dpuf
O escritor Valter Hugo Mãe no Hotel Marina Palace, Leblon – Eduardo Martino/documentography
Valter Hugo Mãe em dizer-se com alma
«O desafio de se chegar a uma arte com outra é constante. Fazer da literatura pintura ou da pintura literatura é um dos grandes pontos da expressão, desde sempre»
Um dos mais carismáticos e sensíveis escritores da sua geração, Valter Hugo Mãe volta aos escaparates com “A Desumanização”, um livro sensível e extremamente tocante sobre a natureza que nos rodeia e o revelo da alma perante a solidão e a dor. A propósito desta obra que marca a estreia do autor na Porto Editora, trocámos algumas palavras com um Homem que afirma que os livros podem ajudar a desenvolver o íntimo de quem os lê.
Na apresentação de “A Desumanização”, uma das definições que mais e melhor caracterizam esta obra é o facto de estarmos perante um “livro de ver”. Acha que muitos dos sentimentos que nos assaltam a alma ficam aquém daquilo que palavra escrita ou falada consegue descrever? É a imagem uma forma superior de comunicação?
O desafio de se chegar a uma arte com outra é constante. Fazer da literatura pintura ou da pintura literatura é um dos grandes pontos da expressão, desde sempre. Interessa-me muito levar adiante todos os limites que consiga. É certamente uma utopia querer que um texto seja explícito e virtuoso o suficiente para suprimir a necessidade de ver, mas pelas utopias corre a arte. Não quero correr por nada menor.
Os desenhos (da autoria de Cristina Valadas) que acompanham o livro servem para, de alguma forma, contextualizar a narrativa?
Adoro o trabalho da Cristina Valadas e quero muito estar sempre misturado com artistas plásticos. A ideia de a convidar para criar um conjunto de ilustrações passou por achar que ela seria perfeita para interpretar a candura e o susto de que se faz este livro. Acho que foi uma aposta maravilhosa. Ela fez um trabalho lindo de mais. O leitor prepara os olhos para o que o texto dá a ver.
Pela primeira vez entrega a função de narrador ou personagem principal a alguém no feminino. O que torna a personagem de “Halla” tão especial para merecer tamanha responsabilidade?
Acho a Halla uma figura impressionante. É merecedora de todos os riscos e eu não saberia escrever livros sem me colocar em perigo. Repetir receitas declaradamente não me interessa.
“A Desumanização” é um livro onde a solidão, a perda e a desesperança são sentimentos intimamente ligados à natureza das pessoas e do meio ambiente. Pensou em fazer um paralelismo metafórico entre os personagens e o cenário envolvente?
Sim. A Islândia é um símbolo de solidão. A perda da irmã gémea serve de cúmulo da solidão. Todo o livro conspira para a meditação profunda acerca de ficar só, saber ficar só, até se ser independente, livre.
“Halla” sente a morte da irmã gémea (Sigridur) como a perda da própria identidade. Acredita que um gémeo é a imagem refletida do próprio “Eu”?
Acredito que um gémeo poderá ser, ao menos na idade em que Halla nos conta a história, o extremo da companhia. A companhia absoluta. Perder um gémeo, nessa altura, tem de ser como ficar a meio na identidade.
Sabemos que teve a infelicidade de ter perdido um irmão à nascença. Será “este livro uma forma de exorcizar esse “fantasma”, de superar a perda?
O meu irmão faleceu com um ano de idade. Já havia falecido quando nasci. Nunca o vi. Não há sequer uma fotografia sua. Não há nada. E creio que escrevi o livro não para me apaziguar, mas a natureza do livro, a dado ponto, coincidiu com algumas questões minhas, como acho natural que aconteça. Não quero negar aos livros o que eles solicitam de mim. Mas é importante que os romances não se tornem exactamente súmulas da nossa vida.
O que significa para si, no fundo, “desumanizar”?
Não poder exercer em liberdade a identidade que nos corresponde. Precisar de reduzir as pulsões benignas, ingénuas, espontâneas, para não ser triturado pelo cruel que o mundo das pessoas é.
A sua escrita revela uma sensibilidade urgente e atinge um elevado patamar poético neste novo romance. Será a Islândia a musa ideal?
Para este texto foi. Este livro não poderia ser assim sem ela. Outros lugares já me terão inspirado a mesma grandeza ou ternura. Não sei pensar sem me sensibilizar, não sei sensibilizar-me sem querer explicar e escrever.
Numa das passagens do livro escreve: «As pessoas que não liam não tinham sentidos». Acha que os livros podem ser dicionários abertos da alma? Pode a leitura ser uma forma de relacionamento com o divino?
Sim. Acho que os livros são reduto do que temos de melhor. Podem cumprir todas as funções, sobretudo a de nos desenvolver intimamente, favorecendo o pensamento e as convicções. Quem não lê anda como que vazio. É apenas uma versão fraca do que poderia ser.
Sente-se, aos 42 anos, um escritor mais completo do que quando publicou, por exemplo, “O Nosso Reino”?
Sim. Sinto, sim. O tempo traz alguma paz. Não nos retira angústia nenhuma, mas permite que sejamos mais espertos a lidar com o que nos faz mal. E permite que pensemos melhor no que nos interessa, no que nos pode redimir nisto de estarmos vivos.
Ouve música quando escreve? Para começar, sim. Depois entro no livro e já não me lembro de quem sou. Para o arranque ponho uma coisa instrumental, não pode ter voz, senão eu canto em cima. Decoro ou invento. Normalmente, ouço sempre a mesma coisa, se calhar tenho de mudar… Ouço sempre duas peças de Bach…
Para acabar, que relação vai tendo com o Facebook? Tenho Facebook e Twitter e vou com frequência ver, vou consultando no telefone. Vou no comboio e vou vendo. E respondo na medida do possível, nem sempre consigo responder de imediato, demoro algum tempo, mas nunca deixo de responder. Sobretudo os brasileiros são engraçados. Eles nunca contam da resposta e eu como tenho respondido, tenho as reacções mais engraçadas.
Cresceram muito os seus amigos nas últimas semanas no Facebook? Recebi mais dois mil pedidos de amizade. No Twitter tenho mais gente a seguir-me do Brasil. Mas também decidi começar a perceber o Twitter antes de ir para o festival. Eu achava aquilo muito chato, não percebia.
com informações de rdb/publico/veja