
Um dos maiores navios de cruzeiros de 1985 era o Carnival Holiday, de 46 mil toneladas; há dez anos, o Queen Mary 2 era três vezes maior. Os dois recordistas dos dias de hoje têm 225 mil toneladas, cujo deslocamento, que é a medida do peso de um barco, equivale ao de um porta-aviões da classe Nimitz.
Eles estão ficando maiores e mais populares. Segundo a Associação Internacional de Navios de Cruzeiro, os membros norte-americanos transportaram mais de 17 milhões de passageiros, em comparação com sete milhões em 2000. O fenômeno, porém, já preocupa os especialistas em segurança, legisladores e reguladores, que exigem uma transparência maior em termos de responsabilidades, alegando que a megalomania que toma conta do setor oferece um grande perigo potencial a passageiros e tripulantes.
‘Os navios de cruzeiro operam no vácuo entre o descuido e o cumprimento das regras’, afirma James E. Hall, consultor de gerenciamento de segurança e presidente do Comitê Nacional de Segurança nos Transportes dos EUA entre 1994 e 2001. ‘O setor tem tido muita sorte.’
Os riscos se tornaram mais visíveis no ano passado, quando o Costa Concordia, do grupo Carnival Corp., com sede em Miami, tombou no litoral da Itália. O acidente matou 32 pessoas e revelou falhas fatais de segurança e procedimentos de emergência.
Em fevereiro, um incêndio atingiu o Carnival Triumph, deixando milhares de passageiros à deriva no Golfo do México, sem energia elétrica durante quatro dias, até ser rebocado para a costa. Foi o fogo que também atingiu o Grandeur of the Seas, da Royal Caribbean, forçando-o a ancorar em um porto das Bahamas em maio. As imagens mostram a popa do barco escurecida pelas chamas e pela fumaça.
Embora a maioria não tenha tido resultados fatais, a série de acidentes fez crescer a preocupação com a capacidade dessas megaembarcações de lidar com emergências ou retiradas em massa em alto-mar. O senador norte-americano John D. Rockefeller IV, democrata da Virgínia Ocidental, introduziu um projeto de lei que pode reforçar o controle do governo federal dos navios em termos de procedimentos de segurança e proteção ao consumidor.
As agências explicam que as embarcações maiores possuem mais equipamentos de combate a incêndio e, portanto, são mais seguras. Depois do fogo que atingiu o Carnival Splendor, há três anos, a empresa adotou novos procedimentos de treinamento e reforçou a segurança, o que, segundo ela, ajudou na detecção e contenção mais rápida das chamas do Triumph.

Peter W. Cross/The New York Times
Depois do susto, a companhia também anunciou que investiria US$700 milhões para melhorar as operações preventivas, incluindo US$300 milhões em sua frota de 24 barcos. A Carnival é a maior operadora de cruzeiros do mundo, dona de quase metade de todos os navios de passeio.
‘Com o tempo aprimoramos o nível de segurança de nossos barcos com treinamentos melhores e tecnologia mais avançada, além de aprender com os incidentes ocorridos anteriormente’, explica Mark Jackson, vice-presidente de operações técnicas da Carnival, contratado em janeiro depois de trabalhar 24 anos com a Guarda Costeira.
Alguns especialistas duvidam das embarcações monstruosas atuais, apesar de serem verdadeiras maravilhas da engenharia naval que combinam tecnologia de ponta e entretenimento. O maior navio do momento é o Allure of the Seas, da Royal Caribbean, com 2.706 cabines, 16 deques, 22 restaurantes, 20 bares e dez ofurôs, além de um shopping center, um cassino, um parque aquático, uma pista, uma tirolesa, um campo de minigolfe e shows ao vivo no melhor estilo da Broadway. Com 362,1 m, acomoda quase 6.300 passageiros e 2.394 tripulantes, o equivalente a uma pequena cidade, se erguendo como uma torre sobre o Mar do Caribe. O navio irmão, Oasis of the Seas, tem 5 cm a menos.
Os especialistas alegam que uma embarcação maior enfrenta desafios maiores; por exemplo, possuem menos opções em uma emergência, afirma Michael Bruno, diretor da Escola de Engenharia do Instituto de Tecnologia Stevens, em Hoboken, Nova Jersey, e ex-presidente do Comitê Marinho do Conselho Nacional de Pesquisa dos EUA.
‘Por causa do tamanho exagerado, qualquer problema se torna um problemão. Às vezes eu mesmo temo pelas opções disponíveis.’
Esses incidentes chamaram a atenção para o comportamento das operadoras. O contra-almirante Joseph Servidio, comandante assistente de política de prevenção da Guarda Costeira dos EUA, disse em audiência no Senado em julho que três incêndios, incluindo o que ocorreu no Splendor, ‘põem em dúvida a qualidade do projeto, manutenção e manuseio dos equipamentos a bordo, como também a cultura de gerenciamento de segurança.’
Os riscos da construção de barcos maiores ficaram aparentes há mais de uma década, quando as empresas começaram a superar os limites da arquitetura naval. O diretor da Organização Marítima Internacional, agência da ONU responsável pelas leis marítimas, deu o alerta em 2000 para os perigos da construção de embarcações cada vez maiores e pediu uma cartilha abrangente de regras de segurança, conhecida como Salvaguarda da Vida Humana no Mar, ou SOLAS. William O’Neil, secretário-geral do grupo na época, disse que o setor não podia ‘depender da sorte indefinidamente’.

The New York Times
Um resultado foi a elaboração de um compêndio mundial, em 2010, o chamado Safe Return to Port. Ele exige que os barcos novos tenham sistemas de apoio, incluindo os de energia elétrica e navegação, que os permitam voltar ao porto mesmo no pior caso de emergência, só que apenas dez navios construídos desde então obedecem à nova lei.
‘A ideia é a de que o navio seja o seu melhor salva-vidas’, comenta John Hicks, vice-presidente do setor de navios de passageiros do Lloyds Register, a maior sociedade de classificação de embarcações do mundo, ‘e que se possa manter a tripulação e os passageiros a bordo, sempre.’
Bud Darr, vice-presidente para assuntos técnicos e reguladores da Associação Internacional de Navios de Cruzeiro, grupo comercial do setor, disse que as embarcações de hoje são operadas sob vários níveis de descuido.
A Guarda Costeira inspeciona cada navio que passa pelos portos norte-americanos pelo menos uma vez por ano e faz questão de que se cumpram as normas nacionais e internacionais. Auditores particulares, contratados pelas operadoras, fazem revisões frequentes, incluindo checagens anuais completas que duram de sete a dez dias e países como as Bahamas e o Panamá, onde a maioria dos barcos é registrada, fazem inspeções próprias.
‘Somos objetos de checagens extremamente minuciosas. Os padrões são universais’, afirma Darr.
No entanto, tragédias como a do Costa Concordia levantaram a questão sobre as leis de evacuação de passageiros e se elas são efetivas nesses meganavios. Segundo o SOLAS, por exemplo, os passageiros reunidos em seus pontos de encontro devem ser retirados em salva-vidas no máximo dentro de trinta minutos depois de soar o alarme.
Só que a investigação revelou que nem os tripulantes nem o capitão soaram o alarme geral, nem mesmo uma hora depois que as pedras racharam o casco. O resultado foi que alguns botes não puderam ser baixados porque o navio já começara a tombar.
Depois do desastre, as operadoras prometeram mudar os procedimentos de emergência: em vez de fazer uma simulação com os passageiros dentro de 24 horas da partida, disseram que o treinamento aconteceria antes de o barco zarpar.
Segundo as regras, cada barco não pode levar mais que 150 pessoas, mas os dois gigantões atuais, o Allure of the Seas e o Oasis of the Seas, oferecem modelos muito maiores, para 370 pessoas, graças a um adendo no regulamento de 2010 que permite exceções, contanto que a empresa ofereça o mesmo nível de segurança.
Apesar de maiores, eles só têm espaço para passageiros. A retirada de mais de 2.300 tripulantes é feita através de botes infláveis, que antes precisam passar por uma rampa de 18 m.
‘O problema é que eles estão grandes demais e levam gente em excesso’, confessa o capitão William H. Doherty, ex-diretor de segurança da Norwegian Cruise Lines, a terceira maior operadora do setor e hoje diretor de relações marítimas do Grupo de Consultoria Nexus. ‘A meu ver, eles já excederam o limite de maneabilidade.’
E acrescentou: ‘O tamanho do problema é muito maior do que o setor quer admitir.’
fonte:The New York Times