Em cartaz na pele da escultora, atriz diz que recorreu a lembranças de um parente internado num hospício para compor a personagem
Quando ouviu do diretor Bruno Dumont (“A Humanidade”, 1999) a proposta de fazer um filme sobre a escultora francesa Camille Claudel (1864-1943), Juliette Binoche não pensou imediatamente na convivência com o pai, também escultor e diretor de teatro, ou mesmo em sua faceta de pintora, que desenvolve entre os muitos compromissos profissionais. A ligação pessoal da atriz vencedora do Oscar (por “O paciente inglês”, em 1997) com a ex-parceira e amante de Auguste Rodin (1840-1917), retrocede a seus tempos de colégio, quando gastava o pouco dinheiro de que dispunha para comprar livros de arte, assistir a peças e visitar museus.
— Eu tinha 16 anos quando li um livro sobre a Camille e, logo depois, fui assistir a um espetáculo sobre ela. Naquela época, Camille estava sendo redescoberta. É avassalador saber que uma mulher como ela, cheia de energia, talento, curiosidade pela vida, acabou passando seus 30 últimos anos em um hospício. Era tudo muito injusto — contou Juliette, de 49 anos, durante o Festival de Berlim, em fevereiro, onde “Camille Claudel 1915”, em cartaz no Rio desde sexta-feira, concorreu ao Urso de Ouro. — Lembro que, na época, comprei um pôster da Camille e pus sobre a minha cama. Ela virou um ícone de um gênio que fez tudo para sobreviver.
Um outro fator tornava o projeto de dramatização do isolamento compulsório de Camille ainda mais irresistível:
— Já tive um membro da minha família internado em um asilo para desequilibrados mentais, e por muito tempo. Então, havia um sentimento de familiaridade com o caso de Camille, o que me tocava profundamente — lembra a atriz, ganhadora da Palma de Ouro do Festival de Cannes por sua performance em “Cópia fiel” (2010), do iraniano Abbas Kiarostami.
O filme de Drumont, cineasta adepto de um tipo de realismo sensorial às vezes incômodo, exibe a agonia mental de Camille Claudel ao longo de três dias de uma semana qualquer de seu segundo ano no hospital psiquiátrico da pequena cidade de Montfavet, no Sul da França. Ainda obcecada pela ideia de que Rodin, que a abandonara 20 anos antes, teria sido o grande responsável por sua desgraça, Camille espera ansiosamente pela visita de Paul Claudel, diplomata de carreira e poeta, seu irmão mais novo, na esperança que ele a tire da clausura. Enquanto aguarda o mano dileto, ela vaga pela instituição exibindo suas dores e angústias.
Estruturado em longas sequências, econômicas em diálogos e pontuadas aqui e ali por monólogos da protagonista em crise, “Camille Claudel 1915” é um tour de force para sua protagonista, que expõe as nuances do estado de espírito de sua personagem de cara limpa, sem qualquer tipo de maquiagem. Pela primeira vez trabalhando com uma atriz profissional, Dumont acrescentou um desafio à tarefa de sua estrela: filmar sem roteiro, apenas com a leitura de cartas deixadas por Camille.
— A ideia era estar despida de qualquer artifício, nada entre o diretor e eu. Era uma crueza que a personagem requeria — explica a atriz, que chegou a hesitar diante da perspectiva de trabalhar sem um texto-guia. — Fiz um acordo com o Bruno: o.k., não vai ter roteiro, mas então vou precisar trabalhar com uma preparadora de elenco por duas semanas. Tinha medo do lado louco de Camille, queria entrar na loucura dela, mas também ter alguém que me fornecesse marcas para sair dela.
Em “Words and pictures”, um dos próximos projetos da atriz, agendado para estrear em 2014, Juliette estará ainda mais próxima de seu universo artístico. No filme, dirigido pelo australiano Fred Schepisi (“Um grito no escuro”, 1988), ela interpreta uma pintora. E emprestou alguns de seus próprios quadros para a produção.
— O problema é que minha personagem sofre de artrite. Não é exatamente uma artista confinada a um manicômio, mas não será uma tarefa tão fácil como parece — ri.
com informações do globo