Tivemos, todos nós, muito medo dos seus representantes que se infiltravam nas salas de aulas para nos vigiar e dedurar; dos que encapuzados, à noite depredavam nossos diretórios acadêmicos. Corremos inúmeras vezes das cavalarias durante nossos movimentos pela Rua Nova, e Rua da Imperatriz; fizemos reuniões e participamos de assembleias, perigosamente, às escondidas, e às vezes não; distribuímos panfletos, pichamos muros com a frase “abaixo a ditadura”; arriscamos cursos, empregos e amores; tivemos imensos temores e choramos muito pelas prisões e pelas mortes. – Atravessamos todos os desertos dentro de nós mesmos, mas, escrevemos nossas histórias resistindo. Queríamos a devolução da liberdade ao nosso povo.
A nossa rebeldia mesmo que cada um da sua forma, do seu jeito, com mais ou menos consciência, com mais ou menos ousadia, foi porque não acordávamos com aquela realidade, e apenas por isso reagíamos. Sabíamos na verdade que o que fazíamos valeria a pena. Tanto que um dia tivemos de volta a democracia.
Tenho acompanhado, muito alegre e orgulhosamente, os trabalhos das Comissões da Verdade por todos os Estados. – Estamos reunindo fatos, e fotos de uma parte da nossa história que foi profundamente dolorosa, atrasou e endividou o país, maltratou pessoas, famílias, e muito se esforçou para que aquela juventude desaprendesse de pensar, e que estava guardada pelo silêncio das gavetas. – Isto, sem dúvida, vai nos trazer ainda aprendizados importantes. O primeiro deles é que continuemos todos de alerta para que tantos horrores não nos tragam saudades. Porque, neste caso, qualquer sentimento diferente da repulsa, é doença; é aceitar o retrocesso, é desrespeitar os direitos humanos, é ser contra a diversidade, é não concordar com o nosso potencial de paz e amor para ser feliz.
É compreensível que um país como o nosso, com o tamanho que tem, vindo desde o Império e de tudo que ele nos exigiu, passando pelas injustiças do período escravagista, pelas casas grandes do café, do leite, da cana; pela ditadura militar, pelo desinteresse de educar em massa, pela exploração internacional, cuja consequência foi também a favelização de grande parte da sua população, tenha problemas. Graves problemas. No entanto, podemos contabilizar que no período pós-ditadura que vivemos os avanços existem, e são muitos, principalmente quanto as liberdades, embora nos falte muito mais social e politicamente falando.
As mazelas de um país que é continental, que se desenvolve sem infraestrutura, que se ver açoitado por surpresas e influências externas todos os dias; pela “indústria” do tráfico de drogas, da seca, e dos interesses; pela impunidade, pelas implicações econômicas, pela falta de investimentos, pelos superfaturamentos, etc.; que tem frações de sua classe política engatinhando em formação, inclusive moral, que tem um povo ainda quase todo analfabeto com relação à democratização dele mesmo, e do seu voto, é o que complica.
Mas, vale citar, diante de tudo que somos nós, Fernando Pessoa: “… ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar autor da própria história.“ – O próximo ano é de eleições. Podemos fazer melhor a nossa parte. E, devemos fazê-lo, a despeito da Copa do Mundo, e do seu resultado.