FAZER MELHOR

  por CÉLIA LABANCA
Claro que como a maioria da minha geração eu também lutei contra a ditadura militar que o jovem de hoje nem de longe pode imaginar o que foi. – Um regime de exceção que entre outros desmandos não só queria como torturou e matou milhares de nós que idealisticamente desejava apenas descontruir as dores que ela nos impunha.

Tivemos, todos nós, muito medo dos seus representantes que se infiltravam nas salas de aulas para nos vigiar e dedurar; dos que encapuzados, à noite depredavam nossos diretórios acadêmicos. Corremos inúmeras vezes das cavalarias durante nossos movimentos pela Rua Nova, e Rua da Imperatriz; fizemos reuniões e participamos de assembleias, perigosamente, às escondidas, e às vezes não; distribuímos panfletos, pichamos muros com a frase “abaixo a ditadura”; arriscamos cursos, empregos e amores; tivemos imensos temores e choramos muito pelas prisões e pelas mortes. – Atravessamos todos os desertos dentro de nós mesmos, mas, escrevemos nossas histórias resistindo. Queríamos a devolução da liberdade ao nosso povo.

A nossa rebeldia mesmo que cada um da sua forma, do seu jeito, com mais ou menos consciência, com mais ou menos ousadia, foi porque não acordávamos com aquela realidade, e apenas por isso reagíamos. Sabíamos na verdade que o que fazíamos valeria a pena. Tanto que um dia tivemos de volta a democracia.

Tenho acompanhado, muito alegre e orgulhosamente, os trabalhos das Comissões da Verdade por todos os Estados. – Estamos reunindo fatos, e fotos de uma parte da nossa história que foi profundamente dolorosa, atrasou e endividou o país, maltratou pessoas, famílias, e muito se esforçou para que aquela juventude desaprendesse de pensar, e que estava guardada pelo silêncio das gavetas. – Isto, sem dúvida, vai nos trazer ainda aprendizados importantes. O primeiro deles é que continuemos todos de alerta para que tantos horrores não nos tragam saudades. Porque, neste caso, qualquer sentimento diferente da repulsa, é doença; é aceitar o retrocesso, é desrespeitar os direitos humanos, é ser contra a diversidade, é não concordar com o nosso potencial de paz e amor para ser feliz.

É compreensível que um país como o nosso, com o tamanho que tem, vindo desde o Império e de tudo que ele nos exigiu, passando pelas injustiças do período escravagista, pelas casas grandes do café, do leite, da cana; pela ditadura militar, pelo desinteresse de educar em massa, pela exploração internacional, cuja consequência foi também a favelização de grande parte da sua população, tenha problemas. Graves problemas. No entanto, podemos contabilizar que no período pós-ditadura que vivemos os avanços existem, e são muitos, principalmente quanto as liberdades, embora nos falte muito mais social e politicamente falando.

As mazelas de um país que é continental, que se desenvolve sem infraestrutura, que se ver açoitado por surpresas e influências externas todos os dias; pela “indústria” do tráfico de drogas, da seca, e dos interesses; pela impunidade, pelas implicações econômicas, pela falta de investimentos, pelos superfaturamentos, etc.; que tem frações de sua classe política engatinhando em formação, inclusive moral, que tem um povo ainda quase todo analfabeto com relação à democratização dele mesmo, e do seu voto, é o que complica.

Mas, vale citar, diante de tudo que somos nós, Fernando Pessoa: “… ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar autor da própria história.“ – O próximo ano é de eleições. Podemos fazer melhor a nossa parte. E, devemos fazê-lo, a despeito da Copa do Mundo, e do seu resultado.

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