Nossos sebos tão sebosos

Vender obras usadas não implica livros imundos, com um dedo de terra sobre capa e páginas fedendo a mofo. Mas, no Recife, a maioria desses comerciantes insiste em levar muito a sério o substantivo. Muitos dos sebos são tão sebosos que afugentam clientes e ofendem os mais apaixonados pelos livros.

Com a Estante Virtual, onde as pessoas compram usados pela internet, disponíveis em centenas de lojas de todo o país, ficou constrangedor comparar o cuidado de alguns vendedores em outros estados com o descaso de nossos sebos. Há títulos com dez ou vinte anos, fora de catálogo, que chegam como novos, acondicionados com esmero de quem envia cristais.

Em qualquer lugar existem sebeiros ao pé da letra e grude, que parecem odiar seu ganha-pão. Entre os nossos, no entanto, impressiona é como o que deveria ser uma vergonhosa exceção se tornou a regra quase inviolável. E têm piorado. Sempre que faço nova ronda, tenho impressão de que os meses de intervalo entre as visitas podem ser contados pelos centímetros de poeira a mais sobre os livros.

Tamanho, localização e fama não são documento. Ou melhor, quase sempre são proporcionais ao descaso. A Livraria Brandão (Rua Matriz, ao lado da igreja), por exemplo, conhecida pelos preços salgados e acervo de obras raras, tem um primeiro andar que é martírio de qualquer leitor. Ali em cima, respirando a fedentina de milhares de livros amontoados e nunca limpos, sentimos vergonha alheia. Vontade é de dar voz de prisão, fechar o estabelecimento e tentar salvar o que ainda se deixa folhear sem virar pó.

Na Progresso (que fica em rua de mesmo nome, na Boa Vista), situação era melhorzinha. Não somente o espaço físico foi reduzido, a disposição do dono e seus funcionários também. Alguns exemplares estão razoavelmente salvos, porque expostos em estantes com portas de vidro. Mas, no compasso em que nos aventuramos corredor a dentro, encontramos obras da década de 1990 que parecem jazer ali há século e meio.

Por outro lado, a Praça do Sebo, que fica pertinho da Avenida Guararapes, do prédio dos Correios, apesar de rodeada de bares e lixos nas ruas, sem receber maior atenção das autoridades, tem alguns bons vendedores. Nota-se a falta de espaço, leitores mal conseguem entrar nos boxes para conferir os títulos à venda; e quem entra imagina que não sairá, ficará entalado. Mas as obras estão bem mais limpas, dá até para perceber as cores nas capas (e isso não é piada, porque existem sebos onde todos os volumes se perdem numa massa cinzenta).

Um dos sebos mais limpos e charmosos da cidade era o Da Torre, na José Bonifácio. Até porque dono mora nos fundos da casa. Pelo jeito, porém, ele tem passado cada vez mais tempo nos fundos. Sempre que alguém lhe compra livro, ele gasta cinco minutos tentando limpar com álcool e flanela – ou seja, percebe e se envergonha da sujeira, trata-se de alma que ainda tem salvação.

Surpresa boa são os sebeiros virtuais do Recife, gente que não possui loja física, que comercializa seus títulos exclusivamente pela internet. Geralmente, são escritores, professores ou estudantes, pessoas que trabalham diretamente com os livros, mas já não possuem espaço ou condições financeiras de mantê-los. Cuidam e repassam como se amantes de gatos arranjando donos novos para as crias dos bichanos. Na Estante Virtual, procurando pelo Estado, é possível conhecer o acervo desses novos e bons sebeiros.

Não posso deixar de registrar que ali do lado, em João Pessoa, segue firme o Sebo Cultural, orgulho da capital paraibana. Provando que livros usados podem ser tratados com respeito, quase veneração. Loja que vai além da compra e venda desses produtos especialíssimos, que criou ambiente de convivência e realização de eventos. Não é apenas a qualidade da pista que melhora ao atravessarmos os limites entre os estados.

Caso sebosos sebeiros comecem a espocar em lixões, mortos por algum serial killer, não deixem de me investigar. Rezo muito todos os dias para não vingar esses milhares de livros cruelmente emporcalhados. Um dos argumentos que uso em minhas orações é que não vou mandar esses sujeitos para cova, pois é quase certo que iriam adorar a nova casa, sob sete palmos de terra!

fonte:blogcristianoramos

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