por Antonio Campos
Estive, recentemente, na Grécia, visitando o país para participar da Festa de São José (19/03), organizada pelo escritor brasileiro Paulo Coelho. A Grécia, como é sabido, é um dos epicentros da crise européia e global, vivendo uma forte recessão, onde perdeu 25% do PIB nos últimos 6 anos.
Em conversa com o guia de turismo que me atendeu em Atenas, ele disse algo interessante sobre a crise hoje. “Nos últimos 30 anos nos preocupamos com festas e crédito, e não com o trabalho”, disse ele. “A crise hoje, antes de tudo, é uma crise de valores”, completou. “Esquecemos os antigos princípios e fruto de irracionalidade estamos sofrendo os efeitos de uma amarga crise.”
Em Atenas, surgiram quatro importantes escolas filosóficas. Que o diga o legado de Sócrates, Platão, Aristóteles, entre outros. O teatro surgiu nas festas de Dionísio. A democracia, no seu conceito clássico, surgiu aqui. Na Grécia surgiram princípios e valores fundamentais para a Civilização Ocidental.
Certamente, Paulo Coelho escolheu a Grécia para festejar o Dia de São José por intuir que no lugar do olho do furacão da crise pode-se enxergar rumos para a sua solução. Temos que resgatar princípios e valores para enfrentar e vencer a crise que atinge a Grécia e outros países. Voltar aos valores clássicos gregos, resgatar valores. Não será a Troika que vai vencer a crise na Grécia. De volta ao princípio e aos princípios.
Encontrei a Grécia mais pobre. Contudo, ela nos proporcionou uma bela viagem, como disse o poeta grego Constantino Kavafis em seu poema “Ítaca”. Foi emocionante ver uma exposição de Níkos Kazantzákis, no Centro Cultural Helênico, para registrar os seus 130 anos de nascimento. Esse genial escritor grego, em “Zorba, o Grego”, e em outros livros, mostrou-nos uma forma de ver e enfrentar a vida de quem via de sua própria dor e caminhava. Amava a sua terra e a levava para onde ía. Os verdadeiros valores gregos deveriam ser o farol para o povo grego vencer mais esse desafio. Ainda há luz no fim do túnel.
“Vivemos absurdamente separados, esquecidos do traço de união entre Oriente e Ocidente, promovido pelo mediterrâneo, porto de chegada e de partida. […] Hoje estamos do mesmo lado. E seguimos as metáforas deste Mar. Tudo cabe dentro dele”. Com essas palavras, o escritor e imortal da ABL Marco Lucchesi, em carta escrita ao poeta turco Ataol Behramoglu, sintetizou a preocupação da humanidade com esses dois berços que, juntos, enfrentam dificuldades e renascem com a força dessa união.
No escrito, Lucchesi faz questionamentos que, certamente, afligem a todos nós, especialmente pelo momento porque passa a Grécia: “Quem poderá perdoar em definitivo a nossa dívida? Haverá dívida? Perdão?”. E, assim, o poeta brasileiro nos apresenta, em uma carta conduzida em um tom cordial, como em uma conversa de dois caros amigos, continentes que, separados por uma imensidão marítima, começam a observar a emergente necessidade de nos unirmos.
Como bem disse Lucchesi, “somos filhos do Mediterrâneo”, portanto, é nosso dever andarmos de mãos atadas, tanto em crises, quanto nas bonanças que possamos vir a usufruir futuramente. A preocupação com esses dois gigantes, unidos por uma fatia de água, vai além das questões políticas intensamente abordadas pela mídia. Engloba, ainda, e principalmente, a temática social, ou seja, civis, seres humanos que são diretamente atingidos por toda e qualquer crise. São eles os verdadeiros defensores da pátria amada. E eles também os que sofrem com as crises financeiras, culturais e religiosas que abatem os seus países.
Em um mundo marcado por tantas guerras, que os homens insistem em perdurar, poucos se dão conta da importância do diálogo em detrimento das lutas armadas. A crise na Grécia, a guerra civil na Síria, a tensão da Coreia do Norte, a questão palestina, os sofrimentos da Espanha, Itália, Portugal. Tudo isso reflete na pele de quem faz parte dessas nações, quando, na prática, o diálogo, poderia resolver várias questões de maneira menos agressiva. E, em meio a esta importante reflexão, Marco Lucchesi idealizou como seria a relação do Ocidente com o Oriente: “Um mar sem passaportes e alfândegas, livre de naufrágios e de mortes. Mais que uma área de livre comércio, desejo, sobretudo um fluxo intercultural permanente em busca de diálogo”. O diálogo intercultural e a valorização dos princípios primordiais gregos são uma bússola para os nossos barcos em mares revoltos.
Antônio Campos
Advogado, Conselheiro Federal da OAB, Editor, Escritor, Membro da Academia Pernambucana de Letras e Curador da Fliporto.