Cheiro de 2º turno

*Por Marcelo Tognozzi

Há um cheiro de 2º turno no ar. O enorme esforço do PT em fechar a fatura no 1º turno ainda deve render atritos, porque em vários Estados os acordos provocam incômodos, como a ponta daquele torturante band-aid no calcanhar da letra de Aldir Blanc. No Rio, por exemplo, o PT quer vetar o candidato ao senado Alessandro Molon, do PSB de Marcelo Freixo. Molon é de longe o melhor candidato, mas o PT insiste no nome de André Ceciliano, presidente da Assembleia Legislativa.

Em Pernambuco, o PT apoia o candidato do PSB Danilo Cabral, mas o povo se encantou com Marília Arraes. Ela foi impedida de ser candidata a governadora, porque o PSB se enfeitiçou por um poste indicado pelos cardeais do Partido. Deu a volta por cima, largou o PT, entrou para o Solidariedade e virou favorita. Outro dia Lula apareceu num palanque com Danilo Cabral. O povo vaiou Danilo e gritou o nome de Marília. O PT anda de salto alto no Nordeste embalado pelas pesquisas nas quais Lula aparece disparado. Mas o eleitor sabe separar Lula do resto.

No Rio Grande do Sul, o PSB tirou Beto Albuquerque da raia para abrir caminho para o PT lançar Edegar Pretto, filho e herdeiro político do ex-deputado Adão Pretto. Edegar é um deputado estadual dado a tiradas inspiradas na ex-presidente Dilma, tipo “a mentira tem de ser derrotada pela verdade”. Albuquerque foi deputado federal por 4 mandatos e vice de Marina Silva, em 2014. Esta semana ele desistiu da candidatura e o PSB lançou o ex-vice-governador Vicente Bogo com a missão de cumprir tabela num Estado onde o bolsonarismo nada de braçada.

No Ceará, o PT ainda não conseguiu desbancar o fenômeno Capitão Wagner, ex-PM filiado ao União Brasil e, até agora, dono de 35% das intenções de voto. O ex-governador Camilo Santana, petista eleito com apoio de Ciro Gomes (PDT), é o favorito ao Senado. O capitão cearense pede votos para o capitão-presidente, enquanto Camilo vai de Lula e Ciro não está com nenhum dos 2.

No Piauí, o candidato do ministro da Casa Civil Ciro Nogueira, o ex-prefeito de Teresina Sílvio Mendes (União Brasil), abriu 13 pontos sobre o candidato de Lula, Rafael Fonteles, cria do governador Wellington Dias. Eu não estou dizendo que Lula não vai ganhar no Piauí, mas até aqui os fatos dizem que o candidato dele não é favorito. Também não há como subestimar a força de Ciro Nogueira, que faz política no Piauí desde que era menino.

Em Minas, Lula escolheu um candidato forte, o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD). Mas nem tão forte assim, porque tem 26% contra 44% do governador Romeu Zema (Novo), mineirinho de manual, equipado com sotaque, pão de queijo e jeitão de Itamar Franco do século 21.  Minas Gerais é a encruzilhada da eleição, na qual o destino aguarda pacientemente a vez de agir sentado numa cadeira de balanço fumando um cigarrinho de palha. Aécio Neves (PSDB) sabe como ninguém o gosto de perder em Minas.

Esta semana Lula levou o apoio do deputado André Janones, eleito com 180 mil votos em Minas, fenômeno das redes sociais, mas, sem fôlego suficiente para decolar, desistiu da candidatura a presidente pelo Avante. Carismático e bom de voto, Janones criou ciumeira entre os petistas-raiz, que enxergam nele um competidor potencial.

Há ainda o efeito da baixa nos preços dos combustíveis, a inflação que dá sinais de queda e o pagamento dos auxílios entrando na conta do eleitorado de baixa renda. Para esse eleitorado, estas coisas valem mais que manifestos a favor da democracia assinado pelos patrões e doutores.

E, claro, também há no caminho um Ciro Gomes carente deste 2º turno para manter sua relevância política, sabedor de que Lula e o PT precisarão dele para derrotar Bolsonaro. Uma vitória de Lula no 1º turno carimba o passaporte de Ciro rumo ao ostracismo.

Este ano as pesquisas têm servido muito mais para confundir do que para esclarecer. Existem institutos que dão vantagem de 20 pontos para Lula, com vitória no 1º turno, enquanto outros indicam margens menores, entre 6 e 8 pontos, com 2º turno à vista. Na última eleição muitos institutos erraram feio, dando aderência à narrativa de que as pesquisas mentem.

O 2º turno interessa a Bolsonaro. Com ele, fica evidente que Lula não é invencível. O esforço do PT para criar uma onda capaz de assegurar a vitória no 1º turno tem sido fantástico e de reconhecida competência política. Mas pode morrer na praia por causa de uns meros dígitos, igual ocorreu com Brizola em 1989, tirado do 2º turno por 454.445 votos. O impacto psicológico sobre o eleitorado será forte. E Bolsonaro terá nada menos que um mês a mais de campanha para virar o jogo. Tudo o que ele quer é um 2º turno com cheiro de queimado.

*Jornalista