Dantas Barreto vira alvo de mais uma promessa de revitalização

Mais que uma avenida, a Dantas Barreto é um marco temporal do Recife. A construção dela representa a separação entre o antigo Centro pulsante e vivo para o início de um Centro decadente e abandonado, como conhecemos hoje, além de ser uma das chaves para devolver aos bairros de São José e Santo Antônio a força que um dia tiveram – e uma das possibilidades do resgate ao passado e da chegada de uma nova era ao coração da capital pernambucana.

Sob o discurso da modernidade, a via de cerca de 1,6 quilômetro começou a ser construída em 1973, na gestão do prefeito Augusto Lucena (1916-1995). Para isso, foram postos ao chão importantes monumentos da cidade, como a Igreja dos Martírios, e sobrados que caracterizavam a região – o que, claramente, não deu certo. As informações são do JC Online.

“A abertura da Dantas Barreto foi um grande equívoco. Importamos sem adaptar uma tendência que estava sendo feita em Paris no século 19, época da gripe espanhola, que fez uma grande reforma usando o urbanismo higienista, separando as casas. Lá, foi muito bem-sucedido, deu perspectiva e facilitou a caminhada. Aqui não funcionou nada”, contou o arquiteto e urbanista da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Zeca Brandão.

A avenida, na verdade, prejudicou o comércio local, expulsou moradores e criou desertos urbanos. Isso porque, segundo Brandão, não foram observadas as peculiaridades da própria capital pernambucana, fazendo com que a via se tornasse uma barreira e dividisse a cidade entre o tecido histórico de São José, com igrejas, pátios e ruas estreitas, com um novo lado que se verticalizou.

Mas não adianta mexer no passado; ele não volta. Há décadas a Dantas Barreto acumula problemas de mobilidade, infraestrutura e zeladoria, que podem ser solucionados a partir de políticas públicas que repensem seu uso. Após tantas promessas vazias, a gestão municipal promete, mais uma vez, dar um rumo ao local, agora através do Escritório Recentro de Gestão.

Atualmente, a revitalização está em fase preliminar através da escuta de diferentes atores sobre a via. Entre março e maio, cerca de 35 alunos do primeiro período do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) foram a campo com um questionário em mãos para perguntar a comerciantes, moradores, visitantes e a pessoas em situação de rua o que elas achavam da Dantas Barreto.

“A percepção é que é um local que as pessoas se identificam e consideram importante para a cidade, com potencial de comércio popular, mas não só dele; também do formal. Mas elas reclamavam da falta de segurança e da qualidade do espaço público em termos de calçadas e de circulação”, explicou a coordenadora do curso, Paula Maciel.

Desse trabalho, sairá um relatório da Escuta Social – que já deveria ter sido entregue desde junho, mas atrasou devido à emergência das chuvas na cidade. Ao todo, 200 pessoas foram ouvidas nas ruas.

Segundo a gestão municipal, foi criado um grupo focal com a participação de entidades da gestão pública, como iniciativa privada, terceiro setor e a academia (pesquisadores de universidades). Nesta terça-feira (26), é a vez de Zeca expor suas principais percepções.

Ele é, junto a Ronaldo L’amour, o autor do Calçadão dos Mascates, ou Camelódromo, construído em 1994 no governo de Jarbas Vasconcelos. Um projeto internacionalmente reconhecido que, pela carência de gestão, também decaiu como a avenida.

Camelódromo: potencial desperdiçado

Em reportagem do último ano, o JC mostrou como o potencial do Camelódromo vem sendo desperdiçado, com apenas três dos seis módulos que abrigam mais 1 mil boxes ocupados. A falta de controle urbano fez com que comerciantes o deixassem para ocupar as calçadas, atrapalhando fluxo de veículos, ciclistas e também de pedestres.

“A longo prazo, precisamos recuperar a tipologia, os depósitos e os displays do Camelódromo. A curto prazo, podemos transformar o último módulo em um terminal de ônibus intermunicipais, porque alguns já param ali na Praça Sérgio Loreto e o equipamento já foi pensado de forma que pudesse ganhar novos usos. O Mercado das Flores poderia ser transformado em um órgão público, para atrair pessoas”, sugere.

Mudanças viárias: uma necessidade

A gestão municipal informou ao JC, ainda, que estão em curso os estudos de mudança viária da Dantas Barreto, que tem cerca de 1,6 quilômetros de extensão e que é conhecida pela cidade como “a avenida que não dá em lugar algum”. Isso porque ela tem um alto movimento nas proximidades da Avenida Guararapes, que reduz exponencialmente até chegar à Avenida Sul.

Para Paula, o que faltam nela são “conexões” no lado Sul. “Teria que haver uma abertura que vá até o Cais José Estelita e trazer as conexões transversais, como a da Rua Nova até o Bairro do Recife. Hoje ela é uma barreira, muito larga e de difícil travessia”. Hoje, sua estrutura a afasta do seu principal propósito: ser um centro comercial.

Contatada pela reportagem, a Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) disse não ter uma contagem da quantidade de veículos que trafegam pela avenida diariamente.

Podemos sonhar com uma nova Dantas Barreto?

Desafiador, mas não impossível. Esta é a percepção daquelas que sonham com uma nova Dantas Barreto – que, apesar de se tornar um alvo do Recentro, ainda não tem prazo para sair do papel. Zeca defende que ela passe a ser pensada como um “grande espaço público”, não mais somente como uma avenida, para estimular as pessoas a circularem pelo comércio informal, em vez de manter a passagem prioritária para veículos que já não a escolhem como rota prioritária.

Pelo mundo, há exemplos bem-sucedidos de revitalização de espaços públicos do tipo. Antigas linhas férreas abandonadas viraram um passeio de pedestres entre Albisola Superiore e Celle Ligure, na costa da Itália, e em um famoso espaço de convivência em Nova York. Mas isso também é possível no Brasil: como a Praça Mauá, no Rio de Janeiro, que se tornou um cartão postal após obras de reurbanização em 2014.

“Que possamos realmente nesse momento de repensar o centro da cidade, principalmente com essas novas formas de uso e ativação do espaço público, resgatar a vida de uma área da cidade que foi tão importante e que hoje está abandonada. Minha esperança é ver o Centro devolvido para a população”, disse Paula. Uma esperança que é, sem dúvidas, compartilhada por todos os recifenses.