Por que calor de 40º é mortal na Inglaterra e no Brasil chega a ser considerado ‘normal’?

Reino Unido estende alerta de 'perigo de vida' devido a onda de calor | VEJA

Inglaterra estende alerta de perigo de vida devido ao calor

Gabriel Dias
Yahoo/FolhaPress

Nas últimas semanas, as altas temperaturas estão batendo recordes históricos em vários países da Europa. O Reino Unido, por exemplo, ultrapassou pela primeira vez os 40º C em meio à onda de calor que vem causando pânico na população europeia.

Temperaturas de 40º C em países como França ou Reino Unido são muito piores de serem enfrentadas do que no Brasil, tanto por questões naturais quanto por questões estruturais. Já foram registradas mais de mil mortes no continente por causa da alta temperatura.

UMIDADE DO AR – O doutor em meteorologia e assistente científico da ETH Zurich (Instituto Federal de Tecnologia de Zurique), Lucas Ferreira, explicou para o UOL que uma das principais diferenças está na umidade do ar. Enquanto no Brasil o calor é mais úmido, o calor europeu é mais seco.

“O calor na Europa é diferente porque é muito quente e seco. Com isso, nosso corpo perde muito mais líquido, porque tem muito menos vapor d’água no ar, então acaba que o suor evapora muito mais. É daí que vêm os problemas da desidratação e insolação, que são umas das piores coisas”, disse o especialista.

Ele conta que é semelhante ao que acontece no clima dos desertos, onde a umidade relativa do ar é baixa. “No Brasil a gente sua muito, mas o suor não evapora tanto, então a gente não perde tanto líquido. Claro que na Europa não está tão quente quanto no deserto, mas, a nível de comparação, é o que acontece, nesse quente seco a gente perde mais líquido e, por isso, é mais perigoso”, exemplificou.

SEM ESTRUTURA – Outro motivo para as altas temperaturas afetarem tanto os europeus, segundo Ferreira, é a falta de estrutura contra o calor, já que a maioria das casas não possui equipamentos de ar condicionado ou ventiladores.

“Basicamente, os lugares não têm estrutura para o calor. A maioria das casas têm apenas sistema de aquecimento, mas quanto bate o calor não tem para onde correr”, comentou o meteorologista.

De acordo com um relatório de 2021 do Departamento de Energia Empresarial e Estratégia Industrial da Grã-Bretanha, menos de 5% dos imóveis residenciais possuem ar condicionado no país. Além disso, as casas do Reino Unido não foram projetadas para o calor extremo. As casas são historicamente projetadas para manter os moradores aquecidos.

 

SÃO DESACOSTUMADOS – A bióloga Adriane Formigosa, do Instituto Mapinguari, esclarece que cada população tem adaptações ambientais. O clima e a vegetação do Brasil e da Europa são muito diferentes, por exemplo. A Amazônia fornece uma quantidade importante de umidade que impacta o clima do país inteiro, o que não acontece nos biomas presentes na Europa.

“Lá as pessoas estão acostumadas com curtos períodos de altas temperaturas, e quanto menos umidade mais difícil fica suportar um calor com que não se está acostumado. A umidade é super importante para manter a troca de calor do nosso corpo com o ambiente, e assim manter o corpo numa temperatura em que ele possa funcionar de maneira saudável. Então, quando o ar está muito seco, o corpo tem mais dificuldade de equilibrar a temperatura interna, e isso pode levar a alguns colapsos que para algumas pessoas não são suportáveis”, comentou.

Como os europeus não estão fisiologicamente acostumados com o calor, uma mudança brusca na temperatura pode acarretar problemas mais severos.

FALTA ADAPTAÇÃO – “É um simples caso de adaptação mesmo. A espécie humana está espalhada por todo o globo. Estamos expostos a diversos tipos de climas e temperaturas. Se eu pegar um europeu e colocar ele no deserto, ele não está acostumado com aquelas condições, então vai sofrer. O que pode estar acontecendo é que as condições ambientais mudaram de forma rápida e chegaram num patamar que as pessoas não estão acostumadas”, analisou o biólogo Yuri Silva, mestre em biodiversidade tropical e diretor de projetos do Instituto Mapinguari.

Pela primeira vez, temperaturas atingem patamar altíssimo na Europa. No Reino Unido, a temperatura ultrapassou os 40º C nesta terça-feira (19). Em Portugal e na Espanha, o calor chegou a 46° C com uma série de incêndios florestais – na França, o fogo destruiu 13 mil hectares.

A onda de calor extremo que há uma semana castiga boa parte da Europa Ocidental, já provocou mais de mil mortes, segundo autoridades de saúde de Portugal e Espanha.

INCÊNDIOS E EMERGÊNCIA – Outras partes do continente continuam sendo castigadas pelo sol escaldante que alimenta severos incêndios florestais e sobrecarrega os serviços de emergência.

As autoridades europeias recomendam às pessoas a se prepararem para o calor que pode ter efeitos adversos à saúde.

Cerca de metade do território da União Europeia está atualmente em risco de seca devido à prolongada falta de chuva. Isso coloca países como França, Romênia, Espanha, Portugal e Itália em risco de ver seus rendimentos agrícolas reduzidos, alertou a Comissão Europeia.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS – A maioria dos cientistas que trabalha com clima afirma que o causador do calor extremo na Europa são as mudanças climáticas.

O Met Office estima que a probabilidade de haver altas temperaturas na Europa aumentou em dez vezes em razão disso, o que resulta na formação de um sistema de alta pressão atmosférica sobre a Europa.

Um estudo publicado pela revista Nature Geoscience indica que a expansão do sistema de alta pressão sobre o Atlântico, nos Açores, está levando às condições mais quentes na Península Ibérica dos últimos mil anos. E a área de alta pressão atualmente sobre o Reino Unido deve se mover para o centro-norte da Europa e alcançar o norte dos Bálcãs até meados da próxima semana, elevando as temperaturas para o oeste e o centro da Europa.