Funcionários fantasmas e diárias ‘fora do padrão’ na Câmara Municipal de Olinda são alvo de auditoria do TCE

Por Ricardo Novelino, g1 PE

Câmara Municipal de Olinda fica no Varadouro — Foto: Reprodução/Google Street View

Câmara Municipal de Olinda fica no Varadouro — Foto: Reprodução/Google Street View

Uma auditoria especial do Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE) apontou diversas irregularidades na gestão da Câmara de Vereadores de Olinda, no exercício de 2021. Segundo o tribunal, há indícios da existência de funcionários fantasmas, constatação de pagamentos de diárias “fora de padrão” para parlamentares e excesso de despesas com congressos em plena pandemia.

Além dessas irregularidades, o relatório apontou que as “despesas com congressos interestaduais não tiveram finalidade pública”.

Outras irregularidades foram a ausência de normativos e de padronização de procedimentos relativos ao funcionamento do órgão de controle, o pagamento indevido de verba de representação a servidores comissionados, além da concessão irregular de gratificação por “serviços extraordinários”.

Ainda segundo o TCE, foram alvo da auditoria o acúmulo inconstitucional de cargos públicos por assessora parlamentar e indícios de fraude no controle de frequência, bem como a contratação do fornecimento de celulares de luxo para vereadores e servidores.

Segundo o TCE, o processo está com relator, o conselheiro Dirceu Rodolfo de Melo Júnior, e aguarda informações complementares da auditoria sobre alguns pontos do trabalho.

Após essa etapa, informou o tribunal, por meio de nota, a auditoria vai para julgamento para ser “avaliada pelo colegiado “ e para a decisão final sobre o assunto.

Sobre possíveis punições, o TCE informa que os responsáveis podem ter as contas julgadas irregulares.

Cabem, ainda, aplicação de multa, ressarcimento de recursos aos cofres públicos, declaração de inidoneidade dos responsáveis perante a administração direta e indireta do estado e dos municípios, além de representação ao Ministério Público Estadual para “devidas providências”.

g1 procurou a presidência da Câmara de Olinda, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem. A reportagem também tenta contato com outros citados no relatório.

Documentos

Relatório de auditoria do TCE aponta irregularidades na Câmara de Olinda — Foto: Reprodução/WhatsApp
Relatório de auditoria do TCE aponta irregularidades na Câmara de Olinda — Foto: Reprodução/WhatsApp

O g1 teve acesso ao relatório da auditoria especial do TCE, que tem 98 páginas. Nele, há informações detalhadas, documentos e imagens e propostas para aplicação de multas aos envolvidos.

São citados como possíveis envolvidos o presidente da Câmara na época da investigação, Saulo Holanda Rabelo de Oliveira (SD), e os então vereadores José Flavio Alves do Nascimento (PSD) e Denise Almeida do Nascimento (Republicanos).

Também são citados os então assessores parlamentares Maria de Lourdes da Silva, Alecsander Santa Rosa Santana, Djalmira da Silva Romão e Luiz Rodrigo Pereira de Matos.

O tribunal aponta valores a serem cobrados a todos eles. Os montantes vão de 17.820,76, para um assessor, até R$ 571.769,08, para o então presidente do Legislativo municipal.

Essas multas seriam aplicadas por causa dos seguintes delitos:

  • Prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo ou antieconômico que não seja de natureza grave e que não represente injustificado dano ao erário;
  • Prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo ou antieconômico que resulte em injustificado dano à Fazenda;
  • Ato praticado com grave infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial.

Detalhes

Na página 66 do relatório, o TCE trata de “indícios da existência de funcionários fantasmas”. Os auditores informam que uma servidora contratada pelo vereador José Flávio Alves do Nascimento não poderia ter assumido o cargo.

De acordo com o TCE, “a posse de Maria de Lourdes da Silva para o cargo de assessora parlamentar configurou uma infração ao princípio da moralidade e resultou no pagamento indevido de R$ 55.172,07 a título de remunerações para servidor com indícios de ser funcionário fantasma da Câmara”.

Na auditoria, o tribunal afirma que ela “deveria ter recusado a função de assessora parlamentar em função da incompatibilidade de seu vínculo público como enfermeira do município de Camaragibe e por estar impossibilitada de exercer funções laborais em decorrência de grave quadro de saúde”.

O tribunal cita, ainda, os casos das posses de Djalmira da Silva Romão e Luiz Rodrigo Pereira de Matos para os cargos de assessores parlamentares.

“Configurou uma infração ao princípio da moralidade e resultou no pagamento indevido de R$ 19.054,09 e R$ 17.820,76, respectivamente, a título de remunerações para servidores com indícios de ser funcionário fantasma da Câmara”, diz o relatório.

No caso dos congressos, o TCE verificou a existência de gastos recorrentes com inscrições e diárias para servidores públicos da Câmara para eventos e congressos em outros estados.

O TCE faz uma relação de 19 eventos que tiveram participação de servidores e parlamentares da Câmara, sendo nove em João Pessoa, na Paraíba.

“Conforme apontado ao longo deste item, considerando o contexto de pandemia do Covid-19 e levando em consideração os indícios apresentados, conclui-se que o montante despendido com esses eventos não teve como finalidade o interesse público”.

Nesse item, o tribunal aponta que Saulo Holanda, presidente da Câmara, na época, recebeu diárias de R$ 1.400 para atividades fora do estado.

Isso significa um valor mais alto, na comparação com o que ganha um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) para atuar fora de Brasília, que tem diária de R$ 1.309.

“Registre-se, quanto a isso, que, dos R$ 390.230,00 gastos em 2021 com os congressos interestaduais, 61,6% foram destinados somente a vereadores, Isso significa cerca de R$ 240.000,00”.

Conclusões

De acordo com o TCE, depois de finalizar os exames de auditoria, os técnicos chegaram a algumas conclusões.

“Verificou-se, em primeiro lugar, que os valores adotados para as diárias estão fora dos padrões da razoabilidade, economicidade e da moralidade pública”

Também foram identificadas “vulnerabilidades” no órgão de controle interno da Câmara Municipal de Olinda. O tribunal aponta que não “há normativos e padronização de procedimentos para a realização das atividades de controle”.

Ficou constatado, ainda, que a “omissão do órgão de controle interno possibilitou a ocorrência de fraude nos registros de frequência de uma assessora parlamentar”.

Sobre a gestão de recursos humanos, foi detectada a “’concessão irregular de verba de representação a servidores comissionados e de gratificação por serviços extraordinários à servidores à disposição do Legislativo”.

O TCE disse que, em decorrência disso, houve danos aos cofres de R$ 537.843,31, no exercício de 2021.

O relatório tratou também da constatação e acúmulo inconstitucional de cargos públicos por assessora parlamentar. “Essa assessora também apresentou indícios, com mais três servidores comissionados, de ser funcionária fantasma”.

Por fim, o TCE destacou a contratação para o fornecimento de celulares de luxo para uso de vereadores e de servidores.

Segundo o tribunal, “trata-se, em sua essência, de contratação antieconômica”. A auditoria aponta que “não foram apresentadas justificativas razoáveis e coerentes a fim de evidenciar que os resultados obtidos”.

Também mostrou que não foi possível comprovar se a contratação foi feita com o menor custo possível ou se houve aumento da qualidade na prestação dos serviços públicos, cumprindo o princípio da economicidade.

Em 2021, os vereadores aprovaram uma licitação para comprar celulares de última geração e contratar serviços de telefonia e internet.

O valor total do edital, lançado em 14 de junho de 2021, foi de R$ 470.672,40. O documento estabeleceu a contratação de 75 linhas telefônicas e celulares com valores, por unidade, de até R$ 7 mil. A despesa do contrato foi de aproximadamente R$ 27 mil por cada um dos 17 vereadores da Câmara Municipal de Olinda.

De acordo com o edital, os celulares devem ter tela grande de seis polegadas, além de câmera potente com gravação de vídeo com qualidade de cinema (tecnologia 4K). Os celulares disponíveis no mercado que possuem essas especificações custam entre R$ 5 mil e R$ 7 mil.