Uma desesperada canção de amor, na poesia romântica de J. G. de Araújo Jorge

O advogado, político e poeta acreano José Guilherme de Araujo Jorge (1914-1987) ou, simplesmente, J. G. de Araújo Jorge, foi conhecido como o Poeta do Povo e da Mocidade pela sua mensagem social e política e por sua obra romântica, mas, às vezes, chegava a ser dramática, como no poema “Canção do meu abandono”.

CANÇÃO DO MEU ABANDONO
J. G. de Araújo Jorge

Não, depois de te amar não posso amar ninguém!
Que importa se as ruas estão cheias de mulheres
esbanjando beleza e promessa ao alcance da mão?
Se tu já não me queres
é funda e sem remédio a minha solidão.

Era tão fácil ser feliz quando tu estavas comigo!
Quantas vezes, sem motivo nenhum,
ouvi o teu sorriso rindo feliz,
como um guiso em tua boca?

E todo momento
mesmo sem te beijar eu estava te beijando:
com as mãos, com os olhos, com os pensamentos,
numa ansiedade louca!

Nossos olhos, meu Deus! nossos olhos,
os meus nos teus,
os teus nos meus,
se misturavam confundindo as cores
ansiosos como olhos
que se diziam adeus…

Não era adeus, no entanto,
o que estava em teus olhos e nos meus,
era êxtase, ventura, infinito langor,
era uma estranha, uma esquisita,
uma ansiosa mistura de ternura com ternura
no mesmo olhar de amor!

Ainda ontem, cada instante
era uma nova espera…
Deslumbramento, alegria exuberante
e sem limite…

E de repente,
de repente eu me sinto triste
como um velho muro cheio de hera
embora a luz do sol num delírio palpite!

Não, depois de te amar não posso amar ninguém!
Podia até morrer, se já não há belezas ignoradas
quando inteira te despi,
nem de alegrias incalculadas
depois que te senti…

Depois de te amar assim,
como um deus, como um louco,
nada me bastará, e se tudo é tão pouco…
… eu devia morrer…