*Por Marcelo Tognozzi

A crise entre o governo e a Petrobras é o retrato de um mundo no qual o bem-estar social sempre acaba derrotado pelos reis do mercado. Faz tempo que o governo brasileiro perdeu a Petrobras para a Bolsa de Nova York. Basta verificar de onde vêm as maiores pressões para que a empresa siga vinculando o preço dos combustíveis à variação das cotações internacionais.

Uma das consequências da Lava Jato foram os processos movidos na corte de Nova Iorque pelos investidores lesados pela roubalheira generalizada. Uma coisa impressionante. A Enciclopédia Britânica fez o verbete “Petrobras Scandal”, adornado com a foto do ex-gerente Pedro Barusco, aquele que devolveu US$ 100 milhões furtados da empresa.

Os processos movidos por investidores como fundos de pensão ou até o Tesouro do Estado da Carolina do Norte puseram a empresa de joelhos. A Petrobras pagou US$ 835 milhões de multa ao governo norte-americano, mais cerca de US$ 3 bilhões para investidores lesados pela gatunagem generalizada e vencedores de ações na justiça novaiorquina.

Um dos maiores acionistas da Petrobras é o The Vanguard Group, dono de uma carteira que passa dos US$ 7 trilhões e está presente nos mais diversos segmentos da economia mundial. O Vanguard levou uma gorda indenização depois de um acordo secreto na justiça da Pensilvânia, informou a própria Petrobras no seu site. Se a Petrobras fosse uma empresa pública de verdade, não poderia ignorar a transparência e a publicidade e jamais poderia assinar acordo secreto com quem quer que fosse.

Aliás, a falta de transparência e publicidade é recorrente na empresa. No fact sheet de abril deste ano, uma espécie de relatório sintético, a informação sobre os acionistas não poderia ser mais opaca. Mostra que os estrangeiros controlam 45,18% da companhia, mas não diz quem são, enquanto o bloco de controle formado pelo governo federal e o BNDES/BNDESPar fica com 36,61%.

Não é só o Vanguard o único grande gestor de capitais a investir na Petrobras. O Blackstone, outro trilionário private equity, também pingou suas fichas na estatal (?) brasileira. Em 2017, o Blackstone se uniu com outros grupos, incluindo brasileiros, para comprar por US$ 6 bilhões a rede de gasodutos da Petrobras no Nordeste. No fim de 2018, a Petrobras anunciou a vencedora: a francesa Engie, que construiu a Usina Hidroelétrica de Jirau, em Rondônia. Mas o Blackstone não se deu mal: tem 4,5% do capital da Engie.

Em outubro de 2023, a Petrobras completará 70 anos. A empresa nasceu após a grande mobilização do “Petróleo é nosso”, uma das poucas causas a unir de ponta a ponta o espectro político. Eleito em 1950, Getúlio Vargas encaminhou ao Congresso em dezembro de 1951 o projeto de lei que criava a Petrobras. Levou 2 anos tramitando, mas tanto o PTB da situação quanto a UDN da oposição agiram para manter o controle da petroleira nas mãos do Estado.

E foi assim que durante décadas e décadas a maior estatal brasileira mexeu com nossa autoestima, com os sonhos de um país capaz de andar pelas próprias pernas. Ações da Petrobras eram parte da poupança da classe média, o melhor remédio para proteger os investimentos naqueles tempos de inflação alta nos idos de 30, 40, 50 anos atrás.

Mas o tempo foi passando e a Petrobras foi perdendo seus vínculos com os brasileiros. Primeiro, tiraram dela o monopólio da produção e distribuição de petróleo e derivados. Depois, vieram as investigações que destamparam o bueiro fétido por onde corria o esgoto das roubalheiras, maracutaias e todo tipo de estripulias. Por fim, a empresa sentou no banco dos réus dos tribunais dos Estados Unidos e teve de pagar bilhões de dólares em indenizações, algumas por meio de acordos secretos que nem o governo ou o Congresso, muito menos a Lava Jato, se dispuseram a investigar ou tirar a limpo.

O governo não manda e não voltará a mandar na Petrobras. A empresa é um caso perdido para nós, pagadores de impostos, e para os políticos que um dia imaginaram voltar a mandar na empresa. Os vínculos foram rompidos e agora somos nós de um lado e eles do outro. Os preços não vão parar de subir enquanto permanecer a incerteza e a instabilidade da guerra da Ucrânia e dos soluços da pandemia que teima em não ir embora. Gasolina a R$ 10 não é uma realidade distante.

Durante o governo Lula os private equity foram avançando. Em 2006, de acordo com José Sergio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, os estrangeiros tinham 38,9% do capital da companhia. No governo Temer, o então presidente Pedro Parente terminou de enquadrar a Petrobras, inaugurando a paridade de preços com o mercado internacional. E agora, no governo Bolsonaro, a influência do trilhardário poder econômico mundial está mostrando quem é que manda de verdade.

O que é preciso entender é que os preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha continuam subindo não por causa deste governo ou qualquer outro, mas porque assim desejam os novos donos da Petrobras, os quais vivem o melhor dos mundos: transformaram o governo em rainha da Inglaterra, sempre exposto e sempre culpado por todas as desgraças, enquanto a festa rola solta na Bolsa de Nova York.

*Jornalista