João Gabriel de Lima
Estadão
A notícia do desaparecimento do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips chegou até mim quando eu desembarcava na Alemanha para um congresso sobre democracia. Havia duas ironias trágicas além dessa. Era o dia 7 de junho, quando se celebra, no Brasil, o Dia da Liberdade de Imprensa.
O congresso era no castelo de Hambach, palco de um levante, em 1832, contra um governo que ameaçava, entre outras coisas, o direito à livre expressão.
MAIS VISIBILIDADE – Viver fora do Brasil e acompanhar as notícias do País trazem, além de angústia, a dimensão de como somos vistos mundo afora. É impossível ficar indiferente às notícias sobre a Amazônia – em especial sobre a questão indígena – de tanto que elas explodem nos noticiários estrangeiros.
O desaparecimento de um profissional ligado a vários jornais importantes, como The Guardian e Washington Post, multiplica a visibilidade – na quinta-feira já havia protestos na frente da embaixada brasileira em Londres.
Um grupo de familiares, amigos e organizações da sociedade civil participou de um protesto silencioso nesta quinta-feira, 9, em frente à embaixada do Brasil em Londres, para cobrar resultados das autoridades brasileiras nas buscas pelo jornalista colaborador do The Guardian Dom Phillips e pelo indigenista Bruno Araújo Pereira.
CORAÇÃO DAS TREVAS – Para além da questão humana, o desaparecimento de Dom e Bruno chama a atenção para uma tragédia nacional. A Amazônia está se tornando o coração das trevas brasileiras. Não é apenas o desmatamento que bate recordes. Junto com ele proliferam crimes de todos os tipos, de acordo com pesquisas do Instituto Igarapé, centro de estudos de segurança pública.
“O crime ambiental não acontece sozinho”, diz Melina Risso, diretora de pesquisas do Igarapé. “Ele ocorre em meio a todo um ecossistema criminal, em que mineração ilegal e extração ilícita de madeira se misturam, por exemplo, com o tráfico de drogas.” Pistas de pouso clandestinas servem tanto aos aviões que carregam cocaína quanto aos transportadores de ouro ilegal.
Os estudos do Igarapé que mapeiam esse ecossistema criminoso estão anexados à versão digital da coluna. O instituto vem radiografando também os conflitos entre os defensores do meio ambiente e os bandidos associados a todas essas modalidades de crime, da turma do pó à turma do ouro.
AMEAÇAS COMUNS – Segundo Melissa Risso, ameaças como as que Bruno Pereira sofreu são comuns – e algumas delas resultam em crimes violentos e até homicídios.
Até a conclusão desta coluna, Bruno e Dom não haviam sido encontrados. Se algo terrível acontecer a eles, será mais uma tragédia anunciada no coração das trevas, e o Brasil sofrerá outro golpe em sua reputação internacional.
Merecemos o golpe, por não cuidar de nosso patrimônio natural nem da segurança de nossos cidadãos – os que defendem nosso maior tesouro, como Bruno, e os que escolheram, como Dom, viver e trabalhar entre nós.