Na Colômbia, a terceira via surpreende a polarização e passa ao segundo turno

Internacional - Populista Rodolfo Hernández dispara e ameaça mudar eleição  presidencial na Colômbia

Rodolfo Hernández tirou do segundo turno o atual presidente

Marcus André Mello
Folha

Na Colômbia, um outsider pode ser provavelmente eleito presidente. E isso em um país marcado por um partidarismo sem paralelo na região. Mas um olhar atento revela que esse resultado não é paradoxal. Três fatores marcam historicamente o sistema político colombiano. O primeiro é que dois partidos —  Conservador e Liberal — dominaram a política por um século e meio, engendrando um hiperpartidarismo peculiar.

A excepcional animosidade entre eles levou a confrontos com mais de 100 mil mortos, em 1902, e 170 mil mortos entre 1948 e 1960 (no episódio conhecido como La Violencia, o qual gerou uma especialidade temática: a “violentologia”). E isso antes da criação das Farc (1964).

PARTILHA DO PODER – No entanto, em 1958, os dois partidos fizeram um pacto formal de partilha de poder após derrubarem o general Rojas Pinilla (1953-1957), que ascendeu ao poder através de um golpe. O pacto envolvia a paridade partidária nos ministérios e cargos públicos; Presidência rotativa, a cada quatro anos; quórum para aprovação de leis de 66% etc. Durou 16 anos.

O segundo fator é que historicamente os militares quase não cumpriram papel político no conflito partidário (o golpe de Rojas Pinilla é exceção). Os confrontos armados davam-se entre milícias de caudilhos regionais. O monopólio da violência era mais marcadamente partidário que estatal.

O terceiro motivo é o fato de que nunca surgiu um Perón, um Vargas, um Cárdenas, um Ibáñez; ou seja, lideranças ou partidos que incorporassem politicamente as novas massas urbanas. Gaetán, símbolo da renovação (“Yo non soy um hombre, soy el pueblo”), foi assassinado, ao que se seguiu o Bogotazo (mais de mil mortos) deflagrando La Violencia. O país não renovou suas elites políticas, permanecendo com estruturas partidárias e dinastias políticas herdadas do século 19.

PERPETUAÇÃO DAS ELITES – Paradoxalmente, o instrumento que pacificou o país por duas décadas causou sua debacle. Ausência histórica do populismo e pacto consorciativo marcaram também a Venezuela, que teve o Pacto de Punto Fijo no mesmo ano (1958). A reação a esses pactos também teve semelhanças: foi denunciado por outsiders como um arranjo excludente que permitia a perpetuação de elites corruptas no poder. As Farc e o bolivarianismo são as versões radicalizadas dessa reação.

O conflito entre combater ou negociar com a guerrilha provocou cisão interna no partido Liberal em 2002. Uma ala uniu-se aos conservadores e garantiu a vitória de Uribe, ex-liberal que criou seu próprio partido. Agora, o sucesso inesperado de uma liderança individual levou ao colapso do bipartidarismo, mas não do sistema partidário.

A vitória de um candidato outsider, sem partido forte nem base congressual, isso, sim, pode fazê-lo.