Ministério da Defesa prepara novo parecer sobre urnas eletrônicas para rebater o TSE

Charge do Zé Dassilva: urna eletrônica nos holofotes | NSC Total

Charge do Zé Dassilva (NSC Total)

Marcelo Godoy
Estadão

Governo pretende responder às acusações de erros técnicos na análise das Forças Armadas sobre o sistema de voto de 2022; baseado em trabalho do Exército, novo documento terá caráter político

O Ministério da Defesa prepara nova resposta ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Será uma tréplica, terá caráter político e rebaterá os comentários apresentados pelos técnicos do tribunal aos questionamentos feitos pela equipe do general Héber Portella a respeito de possíveis fragilidades nas urnas e na totalização eletrônica de votos. Portella é o representante do Ministério da Defesa na Comissão de Transparência Eleitoral (CTE), criada em 2021, para aprimorar o sistema usado nas eleições de 2022.

O documento será baseado em novo trabalho do Comando de Defesa Cibernética (ComDCiber). Quem o leu afirma que ele é “suave” e “técnico”. Procura, sobretudo, desfazer a ideia de incompetência e de erros grosseiros que os peritos do TSE apontaram no trabalho dos militares. Os peritos do ComDeCiber dizem que os possíveis erros cometidos por eles nos questionamentos aconteceram porque não receberam todas as informações sobre o sistema eleitoral, nem foram informados sobre a metodologia usada no TSE.

SEM INFORMAÇÕES – Também vão lembrar que, em outubro de 2021, logo após a primeira reunião da CTE, as Forças Armadas “solicitaram ao TSE” o envio de mais de uma dezena de documentos sobre o sistema, mas eles nunca foram remetidos.

Também vão contar que solicitaram a autorização para fazer questionamentos a fim de compreenderem o sistema. Até hoje, alegam os peritos do ComDCiber, não houve reunião técnica nenhuma, somente a troca de documentos, seguidas de interpretações políticas de magistrados do TSE.

Já a cúpula do Exército pretende reafirmar três ideias que considera fundamentais nessa querela. A primeira é que as Forças Armadas consideram terem sido “colaborativas desde o primeiro dia” em que fizeram parte da Comissão de Transparência Eleitoral do TSE. Depois, querem reiterar que não agiram politicamente nem se deixaram instrumentalizar pelo presidente Jair Bolsonaro. Por fim, pretendem mostrar sua competência técnica, arranhada pela resposta dada pelo TSE aos seus questionamentos anteriores.

OUTROS PONTOS – Há ainda outros pontos que se deseja esclarecer. Afirma-se que o general Héber nunca teve qualquer contato com a área de inteligência em sua carreira. Aqui se quer desfazer qualquer suspeita de uma ação hostil. Conta-se que o MD considerou a possibilidade de haver um representante de cada Força na CTE. Mas se afirma que a ideia foi abandonada porque “a organização mais apta tecnicamente” para liderar o trabalho em apoio ao TSE era o ComDCiber, que reúne militares das três Forças. Por fim, a designação de Héber teria acontecido não em razão de proximidade com Braga Netto, mas por ele chefiar a Defesa Cibernética.

Existe no Exército a certeza de que não foi o general Héber o responsável pelo vazamento dos questionamentos feitos ao tribunal pelas Forças Armadas.

MAIOR SUSPEITO – Em janeiro, o presidente Jair Bolsonaro usou esses dados em uma live. Todas as suspeitas da cúpula no caso recaem sobre o então ministro da Defesa, o general Walter Braga Netto, que recebera as informações de Héber, na condição de chefe imediato. O general da Defesa Cibernética representava o então ministro na Comissão do TSE.

Por esse raciocínio, cogitado para ser vice na chapa de Bolsonaro, Braga Netto teria todo o interesse de agradar ao chefe, apesar do compromisso assumido com o TSE de manter em sigilo os questionamentos técnicos entregues à comissão. Ao menos, até serem respondidos pelos peritos da Justiça Eleitoral.

DESLEALDADE – No STF, o uso político das informações feito por Bolsonaro foi considerado uma deslealdade, como mostrou a repórter Beatriz Bulla, pois rompera com a promessa de reserva assumida por Héber.

Em resposta, a cúpula da Força Terrestre procura mostrar aos magistrados não ter interesse em se ver arrastada para a política, principalmente diante do cenário eleitoral que aponta para uma disputa entre as candidaturas de Jair Bolsonaro e de Luiz Inácio Lula da Silva.

A questão agora é se o documento que o Exército prepara mais uma vez sairá do terreno do diálogo entre peritos e se transformará em mais um lance da guerra aberta entre os Poderes da República.

REDAÇÃO FINAL – Nenhum general pode garantir como será a redação final do trabalho, pois o documento do ComDCiber apenas servirá de base para a confecção de outro, de caráter político, que será preparado pelo Ministério da Defesa.

Estará nas mãos do general Paulo Sérgio de Oliveira a decisão sobre a redação final do que será entregue ao TSE na próxima reunião da CTE, marcada para o dia 20.

O que não se sabe é se o tribunal tomará conhecimento do documento por meio da Defesa ou por meio de uma nova live do capitão. Cada vez mais encurralado pela perspectiva de perder, não para a oposição, mas para a sucessão de crises e desastres que ajudou a criar ou a aprofundar em seu mandato, Bolsonaro pode usar a oportunidade para negar a realidade que se afigura, pouco a pouco, mais próxima: a derrota de um presidente em busca da reeleição.