Pesquisa interna já havia alertado o PT sobre o maior erro de Lula na campanha

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Aloizio Mercadante avisou Lula, mas ele não quis ouvir

Rafael Moraes Moura
O Globo

Petistas que estão diretamente envolvidos nas discussões dos rumos da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva avaliam reservadamente que a fala do ex-presidente a favor do aborto foi o maior erro cometido até agora na conturbada fase da pré-campanha.

Pesquisas qualitativas do próprio PT e de adversários mostram que a fala foi a única que provocou estragos na imagem do petista num público que fará muita diferença nesta eleição: os evangélicos e as mulheres.

A FAVOR DA VIDA – Bolsonaro, inclusive, deve aproveitar-se dessa fala para marcar a diferença de Lula nas inserções de TV em junho. Em vídeos já gravados para serem exibidas nos estados, Bolsonaro diz que é contrário ao aborto e “a favor da vida”.

Mas o que deixa inconformados alguns deles é que uma pesquisa do próprio PT já havia alertado o partido dos potenciais riscos eleitorais trazidos na discussão da controvérsia.

O levantamento, divulgado em fevereiro deste ano, foi feito pela Fundação Perseu Abramo e circulou na cúpula petista. Ao entrevistar eleitores que ganham até 5 salários mínimos, que nem gostam nem desgostam do PT, o partido identificou que a descriminalização do aborto é “rejeitada pela ampla maioria, exceto em caso de estupro”.

ASSUNTO-TABU – “Apenas entre os jovens (mulheres e homens) foi encontrada alguma disposição em discutir o assunto – ainda que não haja defesas entusiasmadas da descriminalização”, diz a pesquisa.

A ironia da situação é que a afirmação de Lula a respeito do aborto foi feita justamente num  evento promovido pela Fundação Perseu Abramo e a Fundação Friedrich Ebert, entidade alemã voltada para a promoção da democracia e do desenvolvimento econômico ambientalmente sustentável.

Durante o evento, Lula afirmou que o aborto deveria ser “questão de saúde pública” e “todo mundo ter direito” – que, aliás, é a posição histórica do PT a respeito do assunto.

TENTOU CORRIGIR – Dois dias depois, em entrevista a uma rádio do Ceará, o ex-presidente tentou se corrigir para minimizar o estrago: “Eu sou contra o aborto. O que eu disse é que é preciso transformar essa questão do aborto numa questão de saúde pública”.

O episódio fez com que até petistas graduados reclamassem, internamente, que Lula estava se convertendo no maior cabo eleitoral de Bolsonaro. Vários deles reconhecem que o ex-presidente reforçou uma posição pessoal já conhecida, mas não se expressou da melhor forma.

O PT, agora, desenha uma estratégia para neutralizar os efeitos do deslize ao longo da campanha. Várias lideranças dizem esperar que, com a mudança de marqueteiro e na coordenação, o rumo da comunicação seja mais propositivo e foque mais em questões econômicas, como desemprego e inflação.

BOCA FECHADA  – “Espero que ele não fale mais disso”, comentou um interlocutor próximo de Lula, que tem papel importante na campanha deste ano.

Um dos antídotos preparados pelos petistas para se contrapor a eventuais ataques baseados na fala de Lula é desenterrar uma entrevista do então deputado federal Jair Bolsonaro à revista “IstoÉ Gente”, de 2000, na qual Bolsonaro é questionado sobre a legalização do aborto. “Tem de ser uma decisão do casal”, disse Bolsonaro à época.

Aliados do ex-presidente fazem paralelos entre a postura de Bolsonaro e a do então candidato José Serra na disputa presidencial de 2010, quando Dilma Rousseff também foi confrontada com declarações sobre aborto.

ESTRATÉGIA – “Em 2010, o PSDB não queria discutir economia, porque a economia estava bem”, avalia um ex-ministro de Lula. “Agora, Bolsonaro não quer discutir economia, porque a economia vai mal. Bolsonaro falar de aborto é uma forma de ele impor uma outra pauta para que o centro do debate seja esse.”

Pesquisa Genial/Quaest, divulgada na última quarta-feira, 11, apontou que uma posição favorável ao aborto de um candidato diminui a intenção de voto para 50% dos entrevistados.

Para 40%, a posição sobre a polêmica não impacta a escolha. Entre os evangélicos, o repúdio é mais elevado — 62% desses eleitores trocariam de candidato por conta de uma posição pró-aborto, ante 48% entre os católicos.