Nos Estados Unidos, o rigor das leis traz uma lição para o inerte sistema judicial brasileiro

Elizabeth Holmes Theranos case: Projects that have shed light on the  Silicon Valley deceit | Fox Business

Logo de início, a megaempresária foi condenada a 20 anos

Deu em O Globo

Quando apareceu no noticiário no início do século, a americana Elizabeth Holmes era saudada como nova promessa do Vale do Silício. A exemplo de Bill Gates ou Mark Zuckerberg, abandonara uma faculdade de elite — não Harvard, mas Stanford — para perseguir seu sonho de empreendedora.

Na onda do genoma humano, apostava na medicina como nova fronteira da economia do conhecimento. Sua empresa, a Theranos, ofereceria testes indolores, rápidos e baratos para as mais variadas doenças e condições de saúde, disponíveis em qualquer farmácia.

ERA ACLAMADA – Uma gotícula de sangue por dia e você saberia tudo sobre o próprio corpo. Em 2003, aos 19 anos, Elizabeth Holmes era aclamada pela imprensa de negócios como o novo Steve Jobs — usava até as mesmas blusas cacharrel pretas.

Bastou um jornalista investigativo se debruçar sobre a Theranos — John Carreyrou, no Wall Street Journal — para descobrir que a promessa então avaliada em US$ 9 bilhões não passava de cascata.

Em 2015, 12 anos depois de fundada a empresa, ficou claro para todos que as máquinas milagrosas anunciadas por Elizabeth Holmes não passavam de um produto de sua imaginação. Os equipamentos que chegavam às farmácias eram imprecisos, incapazes de identificar de modo confiável se alguém era portador do HIV, tinha câncer ou mesmo colesterol alto.

CONDENAÇÃO – A empresária acaba de ser condenada por ter enganado os investidores que apostaram centenas de milhões de dólares na fantasia, incluindo expoentes do mundo dos negócios como Rupert Murdoch e Larry Ellison, os ex-secretários de Estado Henry Kissinger e George Shultz, o ex-secretário de Defesa James Mattis e a família da ex-secretária da Educação Betsy DeVos.

Com o aval de todos esses nomes, o caso vem sendo considerado um choque de realidade para o Vale do Silício, onde qualquer um munido de credenciais acadêmicas lustrosas, uma boa apresentação de PowerPoint e lábia sedutora consegue tirar dinheiro do bolso de investidores e celebridades.

Cada uma das quatro condenações poderá render a Elizabeth Holmes 20 anos de cadeia (provavelmente não cumulativos).

UMA EXTENSA LISTA – Ela passará a integrar a extensa lista de criminosos corporativos que foram parar atrás das grades nos Estados Unidos, como Martin Shkreli (que aumentou em 5.000% o preço de uma droga contra a toxoplasmose), Adam Neumann (que desviou US$ 700 milhões da WeWork), Andy Fastow e Ken Lay (condenados pela maquiagem contábil na Enron) e tantos outros.

Curiosamente, o júri a absolveu das acusações de lograr os pacientes, incapaz de enxergar crimes nos testes oferecidos pela Theranos.

O julgamento de Holmes traz uma mensagem relevante para o Brasil, onde o desmonte da Operação Lava-Jato deflagrou uma discussão interminável sobre abusos cometidos pela Justiça: o fato de um sistema judicial respeitar o direito de defesa dos réus e o devido processo legal não significa que os criminosos ricos e poderosos devam ter acesso a todo tipo de recurso e manobra para ficar fora da cadeia.