O quartinho da empregada: como a arquitetura brasileira, pós abolição, repetiu, durante anos, a lógica das senzalas. Por Joel Paviotti

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Iconografia da História
Por Joel Paviotti
O quartinho da empregada: como a arquitetura brasileira, pós abolição, repetiu, durante anos, a lógica das senzalas
O Brasil é um país marcado pela chaga da escravidão. O evento, trágico e desumano, marcou a vida do território nacional e ajudou a constituir muito de nossas relações cotidianas. De forma estrutural, a mentalidade escravagista foi construindo um Brasil desigual, que normalizou a inferioridade como forma de distinção social.
Uma das áreas que contribuiu para a continuidade da simbologia por trás da distinção social foi a arquitetura. Reproduzindo as senzalas, boa parte dos prédios e casas pós abolição passaram a conter em seus projetos o “quarto de empregada” e o “elevador social”. Na obra “História da Vida Privada no Brasil”, os historiadores mostram como a arquitetura produziu, de forma proposital, cômodos para “inferiorizados”, de modo a garantir que a distinção social prosseguisse mesmo após a abolição da escravidão.
São os casos dos famosos “quartinhos de empregada” e dos “elevadores sociais”. O lugar, no fundo da casa, na parte mais quente; o elevador que “protege” o proprietário, um ser considerado como superior, de encontrar diariamente, fora das relações servis, os funcionários que prestam serviços, são sinais visíveis, heranças incontestáveis de um passado desigual, cultivado por séculos, que ajudou a perpetuar o Brasil como um país em que desigualdade é regra, é normalidade e, na maioria das vezes, questão de status.
Imagine, agora, por um momento, a empregada doméstica indo para a Disney no mesmo avião que o patrão. Isso seria inconcebível em um país como o nosso. É com base nessas ideias que tem muito arquiteto social, vestido de economista, colocando em prática projetos segregadores, trocando a semântica da desigualdade, por economês fajuto, e normalizando, ainda mais, um país em que a “igualdade” só está no papel, mas nunca foi uma vontade social.
Nesta fotografia uma é a patroa a outra a empregada. Vocês conseguiram distinguir quem é quem? Se conseguem é por que o plano do Brasil deu certo.
Texto – Joel Paviotti