Aliados de Lula se irritam com defesa do ex-presidente à Cuba e Nicarágua

Por Igor Gielow, da Folha de S. Paulo

Aliados de Luiz Inácio Lula da Silva que apostam numa versão moderada do petista para a disputa do Planalto em 2022 ligaram os sinais de alerta com as mais recentes falas do ex-presidente. O mais novo ponto de contenda é a ditadura nicaraguense de Daniel Ortega, que acaba de ganhar um quarto mandato como presidente de fachada, com vários rivais encarcerados no processo.

Em entrevista publicada nesta terça (23) ao jornal espanhol El País, Lula comparou o tempo Ortega no poder (13 até aqui), aos termos de Angela Merkel como chanceler alemã.

“Por que Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e Daniel Ortega não? Por que o Felipe González [primeiro-ministro da Espanha de 1982 a 1996] pode ficar 14 anos no poder? Qual é a lógica?”, questionou.

Lula está em um giro europeu, no qual buscou estabelecer suas diferenças com Jair Bolsonaro e encontrou-se com o presidente francês Emmanuel Macron, e volta ao Brasil nesta semana.

Lula durante discurso no Instituto de Estudos Políticos de Paris, em seu giro europeu | Foto: Julien de Rosa

O caso não é isolado e tem garantido água ao moinho bolsonarista e de outros rivais em redes sociais. A ele se soma a constante defesa de outra ditadura de esquerda, a cubana, particularmente a omissão de Lula em relação aos protestos contra o regime, alvo de dura repressão neste ano.

Há outros temas no pacote, como a questão da regulamentação dos meios de comunicação, que desde seu primeiro mandato é uma obsessão petista como a tentativa de criação do Conselho Federal de Jornalismo em 2004 exemplifica.

A relação do PT, Lula em especial, sempre foi arestosa com a imprensa. Piorou ao longo do processo de impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e na cobertura das descobertas de corrupção em seus governos pela Operação Lava Jato. Os petistas se dizem perseguidos ideologicamente.

Em um artigo publicado na Folha em setembro, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, voltou ao tema com tintas mais técnicas. No mês seguinte, foi a vez de Lula tentar tirar o bode da sala, dizendo que a regulamentação era assunto para o Congresso.

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Esses repentes do “velho Lula” não são novidade e, para aliados próximos, traem questões de DNA político e discurso interno para os setores do PT que ainda adotam a visão de mundo anterior à queda do muro de Berlim.

A fala de Dilma nesta semana defendendo a ditadura chinesa como uma “luz” em meio à “decadência e escuridão” do Ocidente foi outro sinal desse atavismo esquerdista da sigla.

Mas alguns destes aliados se mostram de toda maneira preocupados com o que chamam de amplificação negativa, em particular no mundo virtual que não existia desta forma quando Lula foi presidente de 2003 a 2010.

Para eles, o Lula de 2022 deve ser o que se mostrou em um jantar no dia 30 de outubro na casa do advogado Pedro Serrano, em São Paulo. Ali, ante uma plateia com cerca de 50 estrelas de bancas da capital, o petista discursou como um moderado.

Prometeu lutar pela reunificação do país e disse que irá conversar com empresários e com a imprensa. De forma mais simbólica, disse que seus 580 dias na cadeia foram uma injustiça causada pelo ex-juiz Sergio Moro e a Lava Jato, mas que não poderia pautar seu governo por vingança.

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Os ouvintes eram majoritariamente simpáticos ao PT, muitos deles como o anfitrião integrantes do influente grupo de advogados Prerrogativas, ponta de lança no embate com Moro —que, a considerar seu discurso de entrada na disputa de 2022, vai tentar carimbar como uma luta contra defensores da corrupção.

Mas havia também elementos neutros, que relataram a mesma impressão.

O tema Moro é um assunto pontuado em conversas de petistas. Se há os que o consideram na eleição algo bom porque reforçaria o discurso de Lula após o Supremo Tribunal Federal ter julgado o ex-juiz parcial, outros temem o óbvio: o tema dos malfeitos em seus mandatos seria novamente esmiuçado.

Esses petistas mais moderados reconhecem que há um público interno mais radical no PT, mas consideram que as falas de Lula são escorregões de fácil correção.

Ressaltam que, ao El País, ele também disse que Ortega estaria totalmente errado se as prisões de rivais fossem políticas. E que foi Lula quem mandou Gleisi desautorizar nota da Secretaria de Relações Internacionais da sigla que exaltou a vitória eleitoral do ditador.

Ex-presidente Lula, ao lado do ex-presidente cubano Raul Castro e o atual, Miguel Díaz-Canel | Foto: Ricardo Stuckert

Sobre Cuba, os argumentos são menos persuasivos e sempre se voltam à desbotada tese de que tudo o que se passa de ruim na ilha caribenha é culpa do embargo imposto pelos americanos há seis décadas.

Por fim, dentro do PT, há as correntes que rechaçam o que consideram concessões para governar. Essa pressão mais radical pode não ser majoritária, mas existe e se ampara no potencial eleitoral do petista. Tal dinâmica de tensão perpassou os governos federais petistas e remonta às origens do partido como administrador importante, na conturbada gestão na Prefeitura de São Paulo de 1989 a 1992.

Para dois líderes de partidos próximos de Lula, há um ônus desses episódios óbvio, a famosa casca de banana procurada do outro lado da rua, embora achem que haja exagero da imprensa.

Por outro lado, ponderam, é difícil tirar um rótulo em tempos de comunicação imediata, ainda que Lula tenha se esmerado em sair pela tangente acerca de temas complexos desde que ascendeu à condição de favorito para o pleito do ano que vem.

Um deles cita a ambiguidade do petista ante o impeachment de Bolsonaro. Se o PT assinou o pedido de impedimento e Lula sinalizou apoio à ideia, é um segredo de polichinelo que o líder não foi às ruas ou se mobilizou de fato porque compartilha da leitura de que o presidente enfraquecido é seu adversário ideal.

Outro ponto lembrado é o Auxílio Brasil, defendido por Lula apesar de o PT ter votado contra as gambiarras fiscais para custear a transferência de renda na PEC dos Precatórios. Aí, contudo, não há o que fazer retoricamente: o petista é associado ao programa anterior, o Bolsa Família, e economia está no coração da campanha de 2022.