Na era Bolsonaro, a “República das Alagoas” está de volta dividida entre Renan e Arthur Lira

Renan e Lira se tornaram inimigos cordiais na disputa por Alagoas

Felipe Frazão e Vera Rosa
Estadão

A eleição do deputado Arthur Lira (Progressistas), líder do Centrão, para a presidência da Câmara e a escolha do senador Renan Calheiros (MDB) como relator da CPI da Covid devolveram protagonismo à “República de Alagoas” no cenário nacional. Mais do que isso, transportaram para Brasília uma rivalidade que domina o Estado nos últimos anos.

À frente do Progressistas, a família de Lira desafia a cada eleição o domínio do clã Calheiros num dos Estados mais desiguais do País, famoso pelos destinos turísticos, mas que tem um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDHs) e sofre para se reerguer economicamente.

DE VOLTA AO PALCO – Desde o governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), o presidente que renunciou para não sofrer impeachment, Alagoas não figurava com tanto destaque nesse jogo do poder com reflexos não só no Congresso como no Palácio do Planalto. A força dos clãs Lira e Calheiros e a projeção do deputado e do senador se explicam pelo controle da máquina partidária do Progressistas e do MDB no Estado.

Agora, o confronto também está exposto na CPI da Covid. Lira sempre discordou da abertura da comissão parlamentar de inquérito. Disse várias vezes que a investigação é inoportuna e serve mais à “briga política e ideológica”. Para o presidente da Câmara, a CPI não tem efeitos imediatos, interpretação oposta à de Renan, que vê o governo cada vez mais pressionado a agir.

Na lista das divergências, mais uma se destaca: Lira apoia o presidente Jair Bolsonaro enquanto Renan é aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

EM LADOS OPOSTOS – Bolsonaro e Lula prometem se enfrentar na disputa de 2022 ao Palácio do Planalto. Mas onde estarão os dois alagoanos que foram alvo de investigações da Lava Jato? “Desde 2014, tenho tentado fazer aliança com Arthur Lira. Ele que não quer. Eu sempre quis que a gente subisse junto no palanque”, disse o relator da CPI ao Estadão.

No 1º de Maio, um sábado, os dois demonstraram descontração num almoço oferecido pela senadora Kátia Abreu (Progressistas-TO) a autoridades da República, em Brasília. A feijoada preparada por Moisés, marido de Kátia, animou o encontro e serviu para Renan se aproximar do antigo adversário.

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“Eu disse ao Arthur Lira que, no fundo, fiquei orgulhoso com a vitória dele. Torci pelo Baleia, mas a vitória do Lira é significativa. Foi a vitória da política”, afirmou Renan. “Sei o que é uma pessoa de Alagoas se tornar presidente da Câmara”, prosseguiu ele, que foi presidente do Senado por três períodos. Em fevereiro deste ano, o MDB de Renan ficou contra Lira e apoiou a candidatura de Baleia Rossi (SP). O deputado tinha o respaldo de Rodrigo Maia (DEM-RJ), que comandava a Câmara, mas perdeu a eleição no primeiro turno.

OUTROS PARTICIPANTES – Naquele Dia do Trabalho, o almoço na casa de Kátia reuniu também o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, o procurador-geral da República, Augusto Aras, e os ministros do Tribunal de Contas da União Bruno Dantas e Vital do Rêgo Filho, além do ex-presidente do TCU José Múcio Monteiro.

A conversa girou sobre CPI, economia, China e vacina, entre outros temas. Como não poderia deixar de ser, a sucessão de erros cometidos por Bolsonaro também se fez presente. “Falamos sobre tudo”, resumiu Renan. “Eles acham que eu sou terrorista, mas o Bin Laden lá é o Omar Aziz”, afirmou o senador, rindo, numa alusão ao presidente da CPI.

Questionado se Lira foi emissário de algum recado do Palácio do Planalto, o senador respondeu: Absolutamente, ninguém me pediu nada”. E o deputado, por sua vez, tem dito que Bolsonaro nunca lhe solicitou ajuda para a articulação política da CPI. “Não sou senador”, retruca ele, sempre que perguntado sobre o tema.

MAIS BRIGA EM 2022 – No xadrez político de Alagoas, o futuro dos grupos Lira e Calheiros vai se cruzar novamente em 2022. É que Renan Filho, já reeleito, terá de se licenciar do governo seis meses antes da eleição para disputar o Senado, como planeja. A ideia é que ele concorra à cadeira hoje ocupada por Fernando Collor (Pros), que flerta com Bolsonaro, mas é visto regionalmente como individualista.

Como o ex-vice-governador Luciano Barbosa (MDB) se elegeu prefeito de Arapiraca no ano passado, o presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Victor (Solidariedade), é o primeiro na linha sucessória. O deputado estadual é aliado de Lira. Dessa forma, Renan entregaria a máquina pública do Estado, influente nos 102 municípios, ao grupo rival.

É por isso que interessa aos Calheiros uma aproximação com os Lira. “O Palácio do Planalto fará qualquer lance para tirar forças do Renan e do filho dele, inclusive cedendo mais apoio a Lira ou a quem quer que seja. Do ponto de vista nacional, o presidente da Câmara tem mais força e vai capitalizar isso para tentar conquistar o governo do Estado, mesmo sem ser ele o candidato”, argumentou o cientista político Ranulfo Paranhos, professor da Universidade Federal de Alagoas.