Campanha contra Moro e a Lava Jato é imitação do que aconteceu na Itália (Operação Mãos Limpas)

Livro conta como a Máfia e a corrupção venceram na Itália

João Pedro Gebran Neto

Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o min. Edson Fachin fez oportuno e ponderado apontamento sobre os riscos que a Operação Lava Jato em repetir a história da Operação Mãos Limpas. “Idêntica menção fez o min. Luis Roberto Barroso, ao lembrar, em sessão plenário do STF no último dia 22 de abril, que devemos evitar que no Brasil se repita o que ocorreu na península itálica.

Com efeito, lembrar a história do combate a organizações criminosas incrustadas no Estado não reside apenas em relatar o ocorrido, mas buscar prevenir que os fatos se repitam. Todavia, isso não foi o suficiente na experiência estrangeira, que em curto período de tempo se viu às voltas com dois casos paradigmáticos de combate à macrocriminalidade: o maxiprocesso de Palermo (ou processo antimáfia) e a operação Mãos Limpas centrada em Milão.

OPERAÇÃO ANTIMÁFIA – O primeiro caso – mais antigo e de maior envergadura, e, talvez, menos conhecido pelos brasileiros – foi bem retratado por Alexander Stille, na obra “Excellent Cadavers”[2], dando origem a filme homônimo.

No início dos anos 80, magistrados responsáveis pela investigação e acusação (cargo equivalente ao Ministério Público no Brasil, lá também chamados de magistrados) como Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, dentre outros, sofreram fortes e violentos ataques em relação ao trabalho que desempenhavam para apurar e punir os crimes cometidos pela Cosa Nostra, a Máfia siciliana.

O GRANDE JULGAMENTO – Após anos de investigação, deu-se início ao julgamento do primeiro dos maxiprocessos, em 1986.

“À medida que o grande julgamento avançava para a fase final, a política começou a intrometer-se cada vez mais nos processos criminais” (p. 231), vez que as investigações começavam a atingir, dentre outros, o ex-primeiro ministro Bettino Craxi, do Partido Socialista Italiano.

Narrou Alexander Stille:“Embora o Judiciário italiano nunca tenha se destacado pela vigilância na área de corrupção política, os socialistas tinham motivos de sobra para temer que algum promotor zeloso tentasse acabar com a festa. Já no início da década de 1980, os magistrados haviam descoberto muitos dos escândalos”, (…)”.

RECURSOS DA ESTATAL – Durante as investigações foi descoberto um fato bastante singular: o uso dos fundos da maior estatal italiana, o Istituto per la Ricosturzione Industriale, para o financiamento de campanhas eleitorais.

“Tais descobertas começavam a incomodar os atingidos, especialmente alguns políticos. Contudo, “Havia várias maneiras de tumultuar as investigações de corrupção. A mais bem-sucedida foi a imunidade parlamentar (…)”, diz Stille (p. 233).

“Ao lado disso, as investigações ‘perderam-se’ nos escaninhos da Procura della Republica de Roma, que “tornou-se uma espécie de triângulo das bermudas, onde as investigações com implicações políticas entravam, mas nunca emergiam (…). Apesar da flexibilidade de alguns distritos judiciais, os principais partidos políticos tinham boas razões para temer uma magistratura forte, independente e agressiva. E assim, a campanha eleitoral de 1987 foi fortemente vinculada ao ataque aos juízes”. (p. 235).

MÍDIA MUDA DE LADO – Com o passar do tempo, parte da mídia, outrora festiva com os combates à corrupção e à máfia siciliana, passou a atacar os trabalhos da força-tarefa, antes mesmo do início do julgamento do primeiro maxiprocesso.

“Como o julgamento dos chefões da máfia tornou-se uma realidade, forças que desejavam manter o status quo na Sicilia intensificaram os esforços para minar as denúncias de qualquer maneira. De fato, o Giornale di Sicilia aproveitou todas as oportunidades que teve para levantar dúvidas sobre a relevância do julgamento, publicando artigos sobre as sirenes barulhentas dos juízes, sobre os custos e as proporções do julgamento, até, finalmente, expressões de preocupação com a ‘criminalização’ da sociedade siciliana e os riscos para o sistema italiano de justiça, caso a palavra de criminoso confesso fosse usada para colocar cidadãos de bem na prisão. No passado o jornal nunca mostrara muito interesse no problema das liberdades civis, (…) (fl. 206).

FORTE CAMPANHA – As críticas orquestradas pelos desinteressados no combate à corrupção foram levadas às ruas. “A campanha contra os juízes se intensificou durante o outono de 1987, em antecipação ao referendo nacional sobre o Judiciário, previsto para novembro. Alguns afirmavam que a magistratura italiana era um instrumento político do Partido Comunista (…)”.

“Embora isso não fosse verdadeiro, o fato é que “a campanha contra os juízes funcionou. (…) os magistrados agora poderiam ser processados por danos, caso cometessem erros de julgamento” (p. 239), em face de novas leis que foram aprovadas pelo parlamento italiano”, acrescenta Stille.

Mas nem apenas do segmento político vinham os ataques aos procuradores da operação antimáfia. Dentro da própria magistratura, vozes se ergueram contra o trabalho desenvolvido por Falcone e Borsollino, consoante declarações de integrantes do Conselho Superior da Magistratura, ao dizer que não deveria guindar Falcone a cargo de maior estatura, sob o argumento de que “O melhor sinal que o Conselho pode enviar (…) é não dar essa posição ao Dr. Falcone, mostrando que o Dr. Falcone não é o único magistrado na Itália a combater o fenômeno da máfia” (p. 253).

SURGIRAM ENTRAVES – Também a Procuradoria de Roma, instituição responsável pela organização da força-tarefa, promoveu diversas alterações no seu funcionamento, dificultando as operações.

“Os casos agora eram atribuídos a um ou dois procuradores, enquanto os outros membros do grupo foram excluídos. Em suma, o escritório estava voltando ao seu antigo estilo de administração” (p. 274).

“Aliás, tal fato foi objeto de arguta observação de Borsellino, que apontou que “Até recentemente, todas as investigações antimáfia, por causa da unidade da Cosa Nostra, estavam centralizadas em Palermo. Agora, em vez disso, os casos estão dispersos em todas as direções. ‘Todo mundo deve trabalhar em tudo’, é a explicação oficial. Mas isso não é convincente… Eu tenho a desagradável sensação de que alguém quer voltar no tempo…”, narra Alexander Stille.

MUDANÇA NAS LEIS – Sucessivas leis foram aprovadas para beneficiar condenados, sendo que, na segunda metade de 1988, segundo a jornalista Claire Sterling, dos 2.992 dos prisioneiros que estavam em liberdade ou em regime semiaberto desapareceram, sendo que “metade dos fugitivos eram mafiosos condenados por homicídio, roubo, seqüestro e tráfico de drogas” (p. 283).

Por fim, o próprio Poder Judiciário não ficou infenso aos fatos, atuando para impedir o combate à máfia, à medida que “alguns tribunais de recursos na Sicilia e em Roma pareciam determinados a reverter os crescentes números de condenações em primeira instância”.

O mais estarrecedor de tudo foi a tendência da Suprema Corte da Itália, que parecia derrubar todas as condenações da máfia que encontrava. Em um estranho fato do destino, todos os casos de crime organizado passaram a ser julgados quase que exclusivamente por um juiz bastante enigmático, Corrado Carnevale – conhecido como l’ammanzza-sentenze, ‘o assassino de sentenças’.

TIPO SEGUNDA TURMA – Embora a Suprema Corte da Itália esteja dividida em várias seções, ficou decidido que todos os casos de crime organizado deveriam ser ouvidos pela ‘primeira sessão’ da Suprema Corte, da qual Carnevale, ‘o assassino de sentenças’, era o presidente” (p. 283). (…)

“Como a Penélope de Homero na Odisséia, que toda noite desfazia o sudário cuidadosamente que tecia durante o dia, ‘o assassino’ começou a puxar os fios do maxijulgamento da Cosa Nostra, costurado meticulosamente pela força-tarefa antimáfia de Palermo”, diz Stiller (p. 284).

IGUAL À LAVA JATO – A história da operação Mãos Limpas não é muito diferente. Embora não se tratasse de um caso da máfia propriamente dita, investigou casos de corrupção e crime organizado que se espraiavam por toda a Itália.

Mais conhecida do público brasileiro, a operação Mãos Limpas tem similaridades com a Lava Jato, como anotado pela mídia e livros publicados no Brasil, inclusive em relação à origem das investigações em petrolíferas. De resto, basta relembrar que o estado de coisas na Itália praticamente voltou a ser o que era antes da operação Antimáfia e da Mãos Limpas.