Supremo não julgou o ex-juiz Sergio Moro; simplesmente, anulou o foro de Curitiba

STF julgou na realidade a desqualificação do foro de Curitiba

Pedro do Coutto

O Supremo Tribunal Federal, ao contrário da versão destacada na imprensa, não julgou ainda a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro no caso do triplex do Guarujá. Julgou na realidade a desqualificação do foro de Curitiba para decidir a matéria agora encaminhada para o Tribunal Regional Federal de Brasília.

São duas etapas distintas: uma a parcialidade de Moro, a outra a incompetência dele para julgar o ex-presidente da República. O que prevaleceu foi a tese de Edson Fachin que determinou a remessa dos autos do respectivo processo para o TRF da capital federal.

ANULAÇÃO – Vista a questão concretamente, chega-se à conclusão de que se o foro de Curitiba foi anulado, dele não resultam outros ângulos de pensamento. O que é anular? É apagar totalmente o episódio ou uma sequência de fatos. No caso do triplex, desqualificado o foro da capital do Paraná, não existe mais matéria a ser examinada. Porque não se pode decidir sobre algo que não existe.

Não se pode anular o que foi anulado antes. Dou o exemplo do futebol: se o juiz marca pênalti, mas o juiz do centro de observação anula, o árbitro não pode voltar atrás pela mesma razão da inexistência da materialidade do assunto. Digo materialidade porque essa é a linguagem jurídica adotada pelo STF.

VISTA DO PROCESSO – Não há duvida de que há número suficiente de ministros, maioria ampla entre os 11, para considerar o comportamento de Moro inadequado e até ilegal. Mas é preciso considerar também que o ministro Marco Aurélio Mello pediu vista deste segundo processo e não tem prazo para que o presidente do STF, Luiz Fux, o coloque à apreciação do plenário.

O Globo e a Folha deram muito destaque à decisão do Supremo, através de matérias de André de Souza e Renata Mariz, O Globo, e de Matheus Teixeira, Folha de São Paulo. Certamente, o equívoco deverá ser corrigido nas edições de hoje e sábado. Mas esta é outra questão.

TELEFONEMA DE BOLSONARO – Mas há um outro assunto de grande relevância, e que não foi abordado nem pelo O Globo e nem pela Folha de São Paulo. Trata-se da divulgação pela GloboNews do telefonema dado por Bolsonaro ao governador de Alagoas, Renan Filho, solicitando a sua interferência junto ao pai, Renan Calheiros, para que assuma uma posição de neutralidade na CPI da qual é relator e que se destina a investigar fatos e omissões do Ministério da Saúde no combate à pandemia, envolvendo também a aquisição de cloroquina, remédio considerado inadequado pelos cientistas no combate à Covid-19.

Francamente, fiquei surpreso, uma vez que a GloboNews noticiou o fato no jornal do fim da tarde desta quinta-feira, inclusive colocando no ar entrevista do próprio Renan Calheiros que afirmou há bastante tempo que, por seu turno, também ficou espantado, pois Bolsonaro nunca havia telefonado para ele.

Este assunto é tão essencial quanto o equívoco sobre a votação do Supremo Tribunal Federal confundida com uma parcialidade que ainda não foi decidida. Em 62 anos de jornalismo, nunca registrei antecedentes deste tipo de pedido de influência por parte do presidente da República.

INTERFERÊNCIA – Um presidente da República pedir a interferência de um filho de um senador junto ao pai para que ele, supõe-se, reduzisse o impacto da investigação ou as diluísse, dividindo-as com as responsabilidades dos governadores pelo fato de não terem contido, assim como o próprio governo federal, a expansão da Covid-19.

Realmente o episódio é estarrecedor e acentuando que o presidente Jair Bolsonaro desvalorizou-se a si mesmo, não desejando debater as denúncias e as evidências, mas julgando para ocultá-las sob a forma de artifício para colocá-las numa nuvem de cristal.

ESCAPISMO – Apreciei muito nesta sexta-feira, o artigo de Ruy Castro, na Folha de São Paulo, porque no fundo ele focaliza sob ângulo diverso a atuação do chefe do Executivo, colocando em relevo em seu texto as atitudes escapistas  do Planalto que, disse ele, Ruy Castro, no caso da devastação de florestas serão logicamente examinadas pelos embaixadores dos países estrangeiros que atenderam à convocação do presidente Joe Biden.

Em matéria de política, não adianta ocultar comportamentos; eles sempre virão à tona de uma forma ou de outra. Política é algo complexo e cujas formulações são examinadas com lentes possantes. Através delas movimentam-se interesses econômicos e financeiros gigantescos.

Não digo com isso que apenas interesses econômicos e financeiros formam a base sólida da política, pelo contrário. Como os fatos históricos confirmam, levam-se em conta principalmente as ameaças à liberdade e à democracia dos países. Se não fosse assim, não haveria necessidade de separar os regimes democráticos de um lado e as ditaduras de outro, como a imprensa sempre assinala através dos séculos relacionados à própria vida humana. O Brasil não pode ser exceção. Não faria sentido e tampouco seria possível qualquer desfecho militar abalando a Constituição do País.