Pensionista do TCU tem quatro fontes de renda que somam R$ 92 mil, e está tudo “legalizado”

Charge 03.03.2020

Charge do Adorno (Grupo ND)

Lúcio Vaz
Gazeta do Povo

Ministro do Tribunal de Contas da União e ex-deputado, Adhemar Ghisi deixou quatro pensões para a viúva, Sônia Balsini, no valor total de R$ 92 mil. Já o pensionista Pedro de Góes Monteiro recebe pensões acumuladas no valor de R$ 76,6 mil, deixadas por um ministro do TCU e pela mãe, servidora do tribunal. Marlete Peixoto Coelho recebe R$ 79 mil como pensionista de ministro do TCU e como aposentada do tribunal.

Esses são os casos extremos de acúmulos de pensões e aposentadorias no TCU que resultam em rendas muito acima do teto remuneratório dos servidores públicos – R$ 39,2 mil.

ACÚMULO ILEGAL – O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou há oito meses a aplicação do teto sobre a soma de pensões e aposentadorias. Mas há atraso no cumprimento da decisão porque não há a aplicação conjunta do redutor entre todos os órgãos públicos, federais, estaduais e municipais, incluindo os três poderes.

O próprio TCU, responsável pela legalidade na aplicação de recursos públicos da União, afirma que já aplicou internamente o abate-teto no caso de acumulo de aposentadorias e pensões, seguindo o entendimento do STF. Mas aguarda informações de servidores, aposentados e pensionistas quanto ao recebimento de benefícios em outros órgãos públicos, para que o corte seja feito de forma conjunta.

Mas nem a elaboração de um cadastro conjunto impedirá o pagamento de valores acima do teto. Isso porque o Supremo deixou uma brecha na sua decisão (Tema nº 359 de repercussão geral).

SÓ APÓS 1998 – A proibição só vale para pensões instituídas a partir da Emenda Constitucional 19/1998, que prevê justamente a aplicação do teto sobre a soma de remuneração, aposentadoria e pensão. Benefícios acumulados gerados antes de 4 de junho de 1998 serão mantidos.

O caso de Sônia Balsini é exemplar porque envolve quatro fontes pagadoras. Ela recebe R$ 35,4 mil pelo TCU, R$ 22,4 mil pelo Montepio Civil, R$ 22,4 mil pelo Instituto de Previdência de Santa Catarina (Iprev) e R$ 12,2 mil como pensionista da Câmara dos Deputados. Isso ocorre porque Ademar Ghisi foi deputado estadual por Santa Catarina, deputado federal e ministro do TCU.

O Montepio Civil foi criado no governo Marechal Deodoro em 1890, para atender servidores do Ministério da Fazenda. Décadas mais tarde, foi estendido a servidores do Judiciário e do TCU. Em 2013, o próprio tribunal determinou a suspensão das contribuições ao montepio e a criação de novas pensões, uma vez que o instituto era altamente deficitário. Mas decidiu que as pensões já existentes continuariam sendo pagas pela União. Sônia Ghisi continua recebendo a sua pensão pelo montepio.

NA CONTA DO POVO – A situação é semelhante na pensão paga pela Câmara. Em 1999, o Congresso extinguiu o Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC), que também era deficitário. Mas a lei que liquidou o instituto determinou que as pensões existentes e as que viessem a ser criadas seriam pagas pela União, ou seja, pelo contribuinte.

Sônia não terá redução na pensão de R$ 12,2 mil paga pela Câmara porque o TCU decidiu que o IPC é uma entidade de direito privado, com pensões não sujeitas à aplicação do abate-teto. Mas o orçamento da Câmara prevê para este ano R$ 119 milhões para o pagamento de aposentadorias e pensões do “extinto” IPC. Ou seja, para pagar a pensão, o dinheiro é público; na hora de aplicar o redutor constitucional, o dinheiro é privado.

Adhemar Ghisi deixou pensão pelo Iprev porque foi deputado estadual por oito anos. Outro benefício que deverá ser mantido, porque foi instituído em março de 1995, antes da PEC 19/1998, portanto. Deputado federal pela Arena por 18 anos, apoiou sempre o regime militar. Em março de 1985, foi nomeado ministro do TCU pelo então presidente da República, João Figueiredo.

PENSÕES VITALÍCIAS – Pedro de Góes Monteiro é filho maior inválido beneficiário de pensão especial, cujo instituidor é seu pai, o ministro do TCU Silvestre Péricles de Góes, falecido em 1972. Ele também recebe pensão civil deixada pela sua mãe, Maria Calheiros da Silva, servidora do tribunal, falecida em 1996. Ambas as pensões são vitalícias em função da condição de invalidez do beneficiário. Como as datas de falecimento são anteriores a 1998, não foi aplicado o abate-teto.

O ministro Silvestre Péricles tomou posse no TCU em julho de 1943 e sua aposentadoria ocorreu em janeiro de 1961. Nesse período de 17 anos e meio, afastou-se por cerca de 13 anos para exercer os mandatos de deputado federal (PSD), governador de Alagoas e senador (PST). O TCU afirmou que Péricles aposentou-se aos 45 anos de serviço público, sendo o último cargo o de ministro do tribunal.

“Licenciou-se para exercer os mandatos eletivos. Sendo vitalício o cargo de ministro, voltou ao tribunal ao final dos respectivos mandatos e aposentou-se com proventos integrais. Todas essas situações estão amparadas pela legislação vigente à época”, acrescentou o tribunal.

OUTRA PRIVILEGIADA – Marlete Peixoto Coelho recebe R$ 19,2 mil como técnica de controle externo aposentada do TCU desde 1986, mais a pensão civil de R$ 37 mil deixada pelo seu marido, o ministro Jurandyr Coelho, falecido em 1995. Também conta com pensão de R$ 22,4 mil paga pelo Montepio Civil. O TCU foi questionado se esse valor não deveria ter sido somado ao valor pago pelo TCU, para fins de aplicação do abate-teto, uma vez que resulta da pensão deixada pelo ministro Jurandyr Coelho.

O tribunal respondeu que, “conforme informações prestadas ao TCU pela pensionista, a glosa do abate-teto já é realizada pelo Ministério da Economia”. Disse ainda que “a aplicação do teto constitucional é realizada sobre cada benefício separadamente. Tendo em vista a tese do STF, o abate teto não incide sobre o somatório dos proventos e pensões por ela recebidos no TCU”.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG 
– Esses absurdos correm por conta de “direitos adquiridos” que o Supremo teve a desfaçatez de reconhecer, embora qualquer estudante de Advocacia saiba que direito significa uma coisa legal e privilégio seja um procedimento ilegal. Não pode existir “legalidade” na concessão de privilégio, seja de que tipo for. E o resto é silêncio, diria Érico Veríssimo. CN