200 anos de Baudelaire, o poeta maldito que modernizou a poesia

Charles Baudelaire, um dos grandes nomes da literatura mundial. Étienne Carjat / Domaine public

Há 200 anos nascia em Paris Charles Baudelaire, um dos grandes nomes da literatura mundial, considerado um dos precursores do simbolismo e fundador da poesia moderna. Ele é principalmente conhecido pela obra “As Flores do Mal”.

Por Patricia Moribe, RFI

Charles-Pierre Baudelaire nasceu em 9 de abril de 1821, em Paris. Um dos primeiros tradutores de Edgar Allan Poe para o francês, ele também foi jornalista, crítico e poeta. Mas, sobretudo, um boêmio, um dandy, frequentador do bas-fond parisiense da época.

Baudelaire torrou a herança do pai, mudava constantemente de endereço, fugindo de credores. Ele traduziu a vida mundana e metropolitana de Paris em versos, falando do tédio, da morte, do erotismo e decadência. O poeta manteve um longo e intermitente romance com a atriz e dançarina haitiana Jeanne Duval, inspiração para vários poemas.

A publicação de “As Flores do Mal”, em 1857, lhe valeu um processo por ultraje à moral pública. Os exemplares foram recolhidos, autor e editoras foram multados, e seis poemas foram censurados. Baudelaire morreu de sífilis em Paris, em 31 de agosto de 1867.

“Baudelaire foi um teórico da modernidade, alguém que pensou a modernidade, que tratou poeticamente temas modernos: as transformações urbanas, a experiência das multidões, a questão da prostituição no século 19 e a marginalização de certas populações com o crescimento da cidade, com a modernidade”, explica a poeta e tradutora Patricia Lavelle, professora de teoria literária na PUC-RIO, com doutorado na França.

Poeta de alegoria e metáforas

A poesia de Baudelaire “é moderna também pelo modo como ela trata os materiais linguísticos, como vai tratar a própria forma lírica, ironizando o uso de certas estratégias líricas”, acrescenta. “Baudelaire é um poeta da alegoria, do acúmulo de metáforas, um poeta que vai usar a própria historicidade do material linguístico como ferramenta para um fazer poético, que estava realmente a frente de seu tempo”.

Como exemplo, Lavelle cita o soneto “A uma passante”, onde “Baudelaire descreve a situação de um encontro amoroso impossível, porque nasce do cintilar do desejo, num olhar cruzado, no meio da multidão. É a experiência da multidão anônima, dentro da grande cidade. O poema coloca em cena essa multidão sem descrevê-la, simplesmente apresentando ao leitor essa experiência erótica do instante em que um olhar se cruza com um outro olhar, e imediatamente esses olhares se perdem na multidão”.

“Baudelaire pode também ser considerado um poeta moderno pela forma dos versos”, explica Patricia Lavelle. “É um poeta que acrescenta pequenos saltos, pequenas tensões, mesmo na estrutura dos versos tradicionais, criando efeitos rítmicos interessantes. Mas ele também é o poeta do poema em prosa, que são pequenas narrativas, e que tensiona justamente essa relação entre o verso e a prosa.”

Patrícia Lavelle.
Patrícia Lavelle. © Arquivo pessoal

A especialista destaca ainda que Baudelaire ironizou a própria figura do poeta: “Ele conta a história de um poeta que, ao atravessar uma rua movimentada, deixa cair no chão a sua aura, referência aos que teriam a fraqueza de recolher do chão essa aura, para colocar na cabeça novamente”. Baudelaire abre mão da aura de poeta e coloca em cena esse abandono, explica Patricia.

A polêmica de “Flores do Mal”

Com “Flores do Mal”, Baudelaire teve de retirar uma série de poemas do livro, que tinham como temática a homossexualidade feminina, e de uma maneira mais geral, a questão do desejo feminino. “Vemos já uma temática provocadora na época, antecipando questões que seriam discutidas e debatidas mais adiante. Mas no século 19 eram motivo de escândalo”, relata.

Baudelaire tornou-se uma forte referência no mundo das artes. “Ele foi lido por poetas como Mallarmé e Valéry. Os simbolistas franceses fizeram de Baudelaire uma espécie de símbolo. Ele foi lido mais tarde também. No Brasil, por exemplo, podemos encontrar traços importantes da leitura do Baudelaire numa poeta como Ana Cristina César, que, como Baudelaire, trabalha com o endereçamento ao leitor, de maneira provocadora”, analisa Lavelle.

A pesquisadora fala da influência de Baudelaire em seu trabalho: “Eu mesma, como poeta, de uma certa maneira, trago do Baudelaire a questão da alegoria, o uso desses materiais linguísticos já gastos e a ironização disso para compor textos, que falam a partir de outros textos, que se inscrevem então na tradição, brincando com ela e juntando as ruínas”.