Uma agressão pensada e anunciada. Por  José  Nivaldo  Júnior

Por  José  Nivaldo  Júnior  – Consultor em comunicação, advogado, historiador, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. 

À propósito do livro de Magno Martins, “A derrota não anunciada”, tratando da sucessão do Recife em 2000, considero um obra prima da literatura política brasileira. Original na abordagem de uma campanha eleitoral. Profundo na pesquisa. Cuidadoso nos detalhes. E muito bem escrito, tornando a leitura um grande prazer.

Sou meio suspeito para elogiar porque faço parte da história. Como criador do personagem Mané da China, que contribuiu de forma bem humorada para a desconstrução da imagem da gestão muito bem avaliada de Roberto Magalhães. Como responsavel pelo marketing de Carlos Wilson, no primeiro turno e de João Paulo, no segundo. Sobre isso, claro, guardei alguns segredos do próprio Magno, no depoimento para o livro,  pois tenho profundo respeito pelo sigilo profissional.

Certas coisas, revelações de confiança ou  trabalhos protegidos pela confidencialidade, jamais revelarei. Outras, que foram públicas, comento sem restrições. Ainda há os fatos cuja reserva caem com o tempo.

O episódio que vou narrar não faz parte de nenhuma dessas categorias. Não está no livro porque na ocasião não lembrei ou talvez não tenha considerado oportuno lembrar.

O QUE FOMOS TRATAR

O caso foi o seguinte: solicitamos através do amigo comum e nosso advogado Felipe Carlos uma audiência formal com o então prefeito Roberto Magalhães. O objetivo era levar uma proposta de um cliente internacional da Makplan para a CTU. Era algo como a empresa assumir a operação da CTU mantendo a companhia na propriedade da Prefeitura.

Marcelo Teixeira sabe mais sobre a proposta. Foi ele que tratou dos detalhes com o cliente. Fui mais para acompanhar do que para atuar. Fomos recebidos na ampla sala de reunião, anexa ao gabinete do prefeito. Como  frequentei o espaço pela última vez na gestão João da Costa, não sei se houve mudanças, mas creio que ainda deva estar lá do mesmo jeito.

Presentes, pela Prefeitura, Roberto Magalhães, Celecina Pontual, Borborema e mais um ou dois secretários que não recordo. Do nosso lado, Felipe, Marcelo e eu.

REUNIÃO RELÂMPAGO

A reunião em si durou poucos minutos. Felipe fez breve introdução, passou a palavra a Marcelo. Mal este explicitou do que se tratava, o prefeito cortou bruscamente a palavra e disse algo como: “Esse assunto já está resolvido. A CTU vai ser privatizada”.

Passou a palavra ao secretário da área, Heraldo  Borborema, que rapidamente confirmou o prefeito.  Em menos de cinco minutos a reunião estava encerrada. Ficou aquele clima estranho, cada qual esperando um sinal para bater em retirada. De rompante, no seu estilo,  o prefeito se dirigiu a mim.

Registre-se que mesmo estando frequentemente em campos opostos, sempre mantivemos uma excelente e, digamos,  descontraída relação pessoal. Desde o tempo em que foi meu professor de Direito Comercial na UFPE. Tenho algumas boas histórias dessa longa relação para o “Agora é FINDI”, coluna de amenidades de O PODER nas sextas-feiras. Mas vamos a essa que está ligada ao capítulo da “invasão” do JC por um Roberto Magalhães irreconhecível, capítulo do dia do livro de Magno.

UM DIÁLOGO IMPENSÁVEL

De repente, o prefeito quebrou o silêncio, apontou em minha direção e disparou: “Zé Nivaldo, dizem que minha gestão não tem marketing, o que você  acha?” Antes que eu piscasse os olhos, emendou: “Contratei Lavareda para ser o meu marqueteiro, o que você acha?”.

Ainda bem, dessa segunda foi mais fácil eu me sair. Respondi: “Acho ótimo, Dr Roberto, o senhor contratou o melhor profissional do mercado”. Ele nem deu tempo de eu pegar o copo de água e soltou novamente de lá: “Tem um jornalista aí, esse tal de Orismar Rodrigues, que está tentando me desmoralizar com essa história do monumento de Brennand. Eu estou pensando em tomar satisfações com ele. O que você acha?”

Respirei fundo, pensei um pouco. Vi que ele estava furioso, tentei desanuviar o ambiente com a primeira saída  que me veio à cabeça (politicamente pouco correta, mas enfim, foi o que veio). Eu disse: “Dr Roberto, o pai de Marcelo Teixeira costuma dizer que brigar com prostituta, jornalista e cachorro não vale a pena”.

Ele veio de lá, Roberto Magalhães em estado puro: “Por que não com cachorro?”.

O DESFECHO IMPREVISÍVEL 

Era um diálogo tão inimaginável que expliquei didaticamente: “Dr Roberto, imagine que o senhor vai caminhando e é atacado por um cachorro. Ao invés de se proteger, o senhor enfrenta o bicho e bota a fera para correr. Chega em casa todo mordido, arranhado, rasgado. Dra Jane pergunta o que aconteceu? Aí o senhor conta que foi atacado por um cachorro, mas enfrentou a briga e ganhou. O que o senhor ganhou com isso?”.

Ele olhou para o infinito por alguns instantes, bateu na mesa autorizando a retirada, levantou e arrematou dizendo: “Muito bem. Vou pensar sobre isso”. Se sequer lembrou do assunto não sei. Se refletiu, pensou muito mal. Poucos dias depois, fez o que fez. Mas a narrativa do almoço no Palácio e essa historinha convergem num ponto: ir tomar satisfações no jornal não foi um rompante, foi caso pensado. Para mim, a surpresa foi a presença do revólver na cintura. Pensei, sinceramente, que o anunciado “tomar satisfações” não pasasse de um telefonema aborrecido, algo assim.

Pense numa coisa para não combinar com Roberto Magalhães é um revólver na cintura!

BLOG DO MAGNO MARTINS