As Facilitações Tecnológicas Estão Nos Transformando Em Vagabundos

“Nós somos um animal que acha que a evolução é sempre para nossa melhoria e ela não o é. De repente, vai acontecer conosco uma coisa que já aconteceu com os cães. A ciência sabe, que os cães [domésticos] não vivem mais sem nós. Se os seres humanos desaparecerem, os cães também vão desaparecer. Nós também estamos nos tornando tão dependentes da relação imediata de aplicativos tecnológicos. Se hoje termina a energia num apagão, nós ficamos incapazes de fazermos 90% das coisas”.

Por Mario Sergio Cortella

“Nós estamos caminhando rapidamente à extinção. Porque essa facilitação toda [a tecnologia] tirará de nós um pouco de nossa vitalidade. Vou dar um exemplo banal: outro dia alguém quis me presentear com uma latinha dessas de lixo que a gente deixo sobre a pia da cozinha, automática, que ao se aproximar ela abre automaticamente a tampa sem precisar levantá-la. Eu disse: ‘não faça isso, você quer que eu morra mais cedo?, nem o esforço de levantar’. Isso significa que algumas coisas nós temos que deixar de lado aquilo que é mera novidade. O mundo facilitou algumas coisas, mas ele nos trouxe encrencas por outro lado. Por exemplo, eu já disse isso um dia e repito aqui, no domingo, famílias inteiras saem de casa para comer comida caseira. Isso é uma forma de demência. A família se junta e sai para comer comida caseira.

A pessoa diz assim:’eu tenho tantos amigos nas redes sociais…’Mas a noção de amizade é um pouco diferente. Há uma diferença entre turma e bando. Há pessoas que vivem mais em bando do que em turma. Turma é outra coisa que você sabe se às duas manhã você ligar, aquele grupo sairá para te socorrer, para te ajudar. É diferente, turma e bando.

Viver em cardume não é a mesma coisa que você saber para onde está indo. Acho que nessa perspectiva, o mundo contemporâneo traz para nós, nas grandes cidades, grandes facilidades, mas também nos acomoda, nos deixa mais frouxos. Nós perdemos a capacidade até de usarmos a nossa energia para algo que seja muito mais forte.

[…] Gostaria de lembrar uma palavra que todo mundo que estudou Darwin, um dia, reconhece, que é a palavra ‘evolução’. A palavra evolução não significa melhoria. Significa mudança. Câncer também evoluí, problema também se desenvolve e falência também progride. Portanto, a palavra evolução significa mudar. Na medicina, por exemplo, quando nós morremos, eles escrevem: ‘evoluiu para o óbito’.

Ora, nós somos um animal perigoso.  Nós somos um animal que acha que a evolução é sempre para nossa melhoria e ela não o é. E segundo, há pessoas que – entre outras coisas – não entendem que Darwin nunca disse a frase: ‘a sobrevivência é dos mais fortes’. Ele escreveu: ‘na forte luta pela vida, a sobrevivência é dos mais aptos’. A noção de aptidão não de se conformar, é a de não perecer num ambiente novo.

[…]Que parte do mundo contemporâneo nos acomoda, nos deixa mais frouxos, nos deixa um pouco mais largados… a gente está se formando um pouco mais vagabundos. […] A gente está se acomodando um pouco. De repente, vai acontecer conosco uma coisa que já aconteceu com os cães. A ciência sabe, que os cães [domésticos] não vivem mais sem nós humanos. Se os seres humanos desaparecerem, os cães também vão desaparecer. A dependência simbiótica deles conosco é tamanha que eles desaparecerão juntos conosco, pela incapacidade de viver sem nós. […]

Ora, porque eu estou lembrando isso: porque nós também estamos nos tornando tão dependentes da relação imediata de aplicativos tecnológicos, que se hoje termina a energia num apagão, nós ficamos incapazes de fazermos 90% das coisas. A gente não come, não se movimenta, não se comunica. Portanto, reféns. Isso é perigoso”. Mario Sergio Cortella

Esta transcrição foi feita por Portal Raízes e trata-se de um trecho da entrevista que o professor Mario Sergio Cortella concedeu ao programa Pânico – da rádio Jovem Pan -com o tema original: O ser humano está caminhando para a extinção.