Lembrando o centenário de um dos maiores repórteres brasileiros — o genial Joel Silveira

Jornalistas & CiaRogério Marques 

Neste ano de grandes centenários, é preciso lembrar o grande jornalista e escritor Joel Silveira, correspondente na Segunda Guerra Mundial, que presenciou os horrores do conflito nos campos de batalha

No último dia 23 de setembro, aquele que é considerado o maior repórter brasileiro estaria completando 100 anos de vida, que acompanhou os mais importantes acontecimentos do século XX.

JORNALISTA PRECOCE – Joel Magno Ribeiro da Silveira nasceu em 1918 na pequena cidade de Lagarto, interior de Sergipe. Com apenas 14 anos, já morando em Aracaju, começou a escrever no jornal “Voz do Operário”, dos trabalhadores de uma indústria têxtil.

Em 1937, com 19 anos, veio para o Rio, então capital da República, centro dos acontecimentos políticos. Chegou a cursar dois anos da faculdade de Direito, mas abandonou os estudos para brilhar no jornalismo. Desde sempre revelou um raro talento como repórter, dono de um texto autoral, literário, às vezes ferino. Por isso foi apelidado de “Víbora” pelo dono dos Diários Associados, Assis Chateaubriand.

OS RICOS DE SÃO PAULO – Sua primeira reportagem de repercussão, em 1943, foi para a revista Diretrizes, de Samuel Wainer e Azevedo Amaral. Seus textos já revelavam o lado “Víbora”. O tema era a elite paulistana, suas festas, sua vida cercada de luxos. O resultado foi uma histórica reportagem, cheia de ironias, sobre os ricaços de São Paulo.

Joel Silveira: o centenário de nascimento do grande repórter - Forças Terrestres - ForTe

Joel Silveira era respeitado pela bravura

Joel narra em detalhes, por exemplo, o monumental casamento da filha do conde Matarazzo, e em seguida o casamento humilde de um casal de operários das indústrias do conde: “Lua-de-mel, sim, mas depois das poderosas chaminés da Matarazzo gritarem o fim do segundo expediente do dia.”

COM OS PRACINHAS – Pouco tempo depois Joel era convidado por Assis Chateaubriand para trabalhar na revista O Cruzeiro, dos Diários Associados. E foi lá que Joel viveu a experiência mais marcante, e dura, da sua vida de repórter: viajar para a Itália e cobrir a participação dos pracinhas brasileiros na Segunda Guerra Mundial. O jornalista tinha 27 anos quando seguiu de navio para Nápoles, junto com os pracinhas.

Em sua primeira reportagem, ainda a bordo, Joel lembra as palavras de Assis Chateaubriand ao se despedir do patrão:

“Seu Silveira, me faça um favor de ordem pessoal. Vá para a guerra, mas não morra. Repórter não é para morrer, é para mandar notícias.”

NA LINHA DE FRENTE – Ao contrário de outros correspondentes, que enviavam seus relatos de regiões seguras, Joel viveu o dia a dia dos pracinhas, e várias vezes acompanhou os soldados brasileiros nos campos de batalha. Tudo aquilo que presenciava chegava à redação de O Cruzeiro, via telegramas por cabo submarino, em textos brilhantes, jornalismo literário de alto nível

Essa é a história de um Natal brasileiro na frente de batalha. Um Natal diferente, gelado, traiçoeiro, de homens se arriscando numa terra varejada pelos morteiros, pelas metralhadoras. Este ano, na noite do Senhor, eles manejaram suas metralhadoras, jogaram granadas de mão, foram feridos ou mortos, mataram e feriram, porque assim é a guerra”, escreveu.

O INVERNO NA GUERRA – Relatos como esse estão no livro O Inverno na Guerra, editado pela Objetiva. A pior cena que Joel diz ter presenciado foi a morte de um sargento brasileiro metralhado pelos alemães. “Só conseguimos resgatar o corpo quatro dias depois.”

Durante nove meses Joel Silveira cobriu a guerra. Acompanhou a tomada de Monte Castelo pelos brasileiros, que relata em outro texto marcado pela emoção de quem presenciou a História:

“Os morteiros nazistas rebentam nas fraldas do sul, mas nossa artilharia reinicia seu canhoneiro sistemático e certeiro, como fizeram toda a noite. Escuto o silvo das granadas sobre nós, vejo-as explodirem lá adiante, numa coroa de fumaça que cai sobre Castelo como uma auréola de chumbo.”

BELÍSSIMA CARREIRA– Ao longo de sua vida profissional Joel Silveira fez inúmeras reportagens marcantes: entrevistou cangaceiros do bando de Lampião presos em Salvador, denunciou as condições de trabalho de mineiros do Rio Grande do Sul e de pescadores do Ceará.

Muitos desses trabalhos estão em alguns dos cerca de 40 livros que publicou, de reportagens e ficção. Como escritor recebeu, entre outros, os prêmios Líbero Badaró, Jabuti, Golfinho de Ouro e Machado de Assis, o mais importante da Academia Brasileira de Letras, em 1988, pelo conjunto de sua obra.

JOEL E GENETON – O jornalista Geneton Moraes Neto, que morreu em 2016, foi grande amigo de Joel Silveira por 20 anos. Juntos escreveram dois livros: “Hitler / Stalin – o pacto maldito” e “Nitroglicerina pura”, os dois editados pela Record. Além disso, Geneton dirigiu o documentário “Garrafas ao mar: a Víbora manda lembranças”, sobre Joel.

Geneton admirava o amigo tanto como repórter como pelo texto — o oposto, segundo Geneton, da “ditadura da objetividade”, dos textos “chatos, áridos, anêmicos”.

Assista aqui a “Garrafas ao mar: a Víbora manda lembranças”. Dirigido por Geneton Moraes Neto, o filme conta a trajetória de um dos maiores repórteres do jornalismo brasileiro.