Islamismo radical é considerado ameaça e França tenta resolver com restrições legais

Milhares marcham em Paris contra a islamofobia após ataque | Mundo | G1

Na verdade, o Islamismo radical já está dividindo a França

Deu na Folha
(Agência France Presse)

Em uma reação aos recentes ataques terroristas em Paris e Nice, o governo francês apresentou nesta quarta-feira (9) um projeto de lei para lutar contra o que classificou de “islamismo radical”. A proposta pretende ampliar o controle do governo sobre lugares de culto e proibir práticas consideradas incompatíveis com os valores franceses, apesar das críticas do mundo islâmico.

O texto, composto por mais de 50 artigos, impede que autoridades emitam visto de residência para solicitantes polígamos (prática autorizada em muitos países islâmicos), prevê uma multa de até 15 mil euros (R$ 93,4 mil) ou um ano de prisão para médicos que realizem certificações de virgindade, e determina que os funcionários de cartório falem separadamente com os futuros cônjuges quando houver dúvida sobre o consentimento do casamento.

ENSINO DOMICILIAR – A proposta também cria uma fiscalização rígida para quem optar pelo ensino domiciliar dos filhos e aumenta o controle do governo sobre o funcionamento e financiamento de associações e templos.

O projeto prevê ainda penas mais duras para quem fizer apologia online a atos de violência. A medida é a resposta do governo ao assassinato em outubro de um professor perto de Paris que havia mostrado cartuns do profeta Maomé em uma aula sobre liberdade de expressão.

O professor Samuel Paty havia sido ameaçado online, antes de sua decapitação por um suspeito islâmico, ainda em meados de outubro. Nas mensagens publicadas por alguns pais, seu nome e o de sua escola eram mencionados.

LISTA DE ATENTADOS – A morte de Paty se soma à longa lista de ataques jihadistas na França, incluindo os massacres de 2015 na Redação do jornal satírico Charlie Hebdo e na casa de shows Bataclan. Em setembro, dois jornalistas foram esfaqueados em Paris, perto da sede do Charlie Hebdo.

Em outubro deste ano, um ataque a faças deixou três mortos, entre os quais a brasileira Simone Barreto Silva, em uma igreja em Nice, cidade no sul da França.

“Este projeto de lei não é um texto contra as religiões, nem contra a religião muçulmana em particular”, disse o primeiro-ministro Jean Castex, em uma entrevista coletiva. “É, pelo contrário, uma lei de liberdade, uma lei de proteção, uma lei de emancipação frente ao fundamentalismo religioso”, afirmou ainda.

ESTADO É LAICO – O texto foi apresentado no 115º aniversário da emblemática lei de 1905 sobre o secularismo do governo francês. A proposta é o resultado de três anos de estudos para encontrar uma solução para o que o presidente Emmanuel Macron chama de “hidra islâmica”.

Seu governo já tomou várias medidas para combater a radicalização, como o fechamento de cerca de 400 estabelecimentos, como associações, mesquitas e quadras de esportes.

Mas, diante de algumas lacunas legais, Macron decidiu apresentar uma lei contra o islamismo radical. O Executivo terá que navegar em um contexto político delicado, após ter visto como sua maioria parlamentar se rebelou no início do mês contra o projeto de uma lei de segurança, em particular um artigo que proíbe a divulgação de imagens de policiais em ação.

VIOLÊNCIA POLICIAL – Milhares de franceses foram às ruas protestar contra a proposta, por considerar que ela é uma mordaça contra a denúncia de casos de violência policial, principalmente contra minorias raciais. Houve confronto entre os ativistas e a polícia francesa nas ruas de Paris. Diante da pressão, o governo foi obrigado a recuar e anunciar que reescreveria o projeto de lei para tentar encontrar um texto de consenso.

Além de uma maioria dividida, o governo também terá que lidar com a oposição beligerante antes de debater o projeto de lei na Assembleia Nacional no início de 2021.

“O governo está surfando em uma onda de hostilidade aos muçulmanos”, criticou Jean-Luc Mélenchon, líder do partido de oposição de esquerda La France Insoumise. Segundo Mélenchon, a oposição não aceitará a estigmatização dos muçulmanos contida no projeto.

PROTESTOS NO EXTERIOR – Também não faltam protestos no exterior, com violentas manifestações anti-francesas em países como Bangladesh e ou no Paquistão, protestos de líderes muçulmanos e críticas da imprensa a um texto acusado de criminalizar todos os muçulmanos.

Um dos principais críticos do governo francês é o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, que já disse esperar que a França se livre do “fardo” de Macron porque o líder francês está apresentando “um momento muito perigoso”.

O projeto contra o “islamismo radical” incomoda até mesmo os Estados Unidos, um dos principais aliados da França. “Quando você é muito repressivo, a situação pode piorar”, disse Sam Brownback, emissário dos EUA para a liberdade religiosa, nessa terça-feira (8).