O ÚLTIMO HERDEIRO DO CORONELISMO. Por  José  Nivaldo  Júnior

Resultado de imagem para jose nivaldo junior   Por  José  Nivaldo  Júnior  – Consultor em comunicação, advogado, historiador, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras.  

Surubinense nascido no Recife. Historiador. Comunicador. Da Academia Pernambucana de Letras.

A morte de José Augusto Cavalcanti Farias, lamentável como toda pessoa que se vai, tem um significado que extrapola a sua figura individual. Poucos perceberam que por trás daquele ser humano cheio de qualidades e com defeitos, como todo mundo, pairou vida afora um símbolo: ele foi o último herdeiro do moderno coronelismo.

ALIANÇA PARADOXAL

O Coronelismo foi um fenômeno da política nordestina, bastante estudado, a partir do livro hoje clássico ” Coronel, Coronéis”, de Marcos Vinicius Vilaça e Roberto Cavalcanti de Albuquerque. Os coronéis clássicos usavam a violência como um dos principais esteios do seu poder. Paradoxalmente, na política, quando a decadência da sua forma de mando se anunciou, fixaram aliança com as forças progressistas do Estado, representadas no início dos anos 60 por Miguel Arraes.

PATENTE CONTESTADA

Não se pode dizer que os Coronéis apoiaram o Golpe de Estado de 1964. Cabreiros, Se agasalharam à sombra do novo poder. Todos, até onde estou lembrado, entraram na Arena, o partido oficial da ditadura. Que para acomodar todos os adesistas, era um partido 3 X 1. Existia a Arena 1, 2 e 3. O mesmo se aplicava à oposição consentida, o MDB.
Os militares, que ocupavam milhares de cargos, também não viam com bons olhos aqueles que usavam uma das patentes mais valorizadas na ditadura. Na briga silenciosa e disfarçada dos coronéis, ganharam os das forças armadas.

SEVERINO FARIAS

Foi o Coronel que conheci na minha infância, em Surubim. Da minha casa, moderna porém térrea, avistava o primeiro andar da casa poderosa do Coronel.
Severino Farias me deu uma imagem falsa do coronelismo. Isso porque era um coronel moderno, podemos dizer. Com alguns traços de mando mas sem a maioria dos vícios do coronelismo. Não tenho notícia de assassinatos praticados a seu mandado. Nem de surras, violências, ameaças. Nada disso. Severino Farias era um Coronel tolerante, humano, de espírito amplo. Um exemplo seu que marcou minha vida envolveu seu filho mais velho, Antônio.

DE VEREADOR A SENADOR

Ainda muito jovem, Antônio Farias elegeu-se vereador em Surubim. Durante uma sessão tumultuada, levou três tiros disparados por um adversário. Lembro do nome, mas vou omitir. Pois bem. Antônio sobreviveu e trilhou uma das mais brilhantes carreiras políticas do Estado. Deputado estadual, deputado federal, prefeito do Recife (nomeado pelos militares). Senador de Pernambuco, na chapa de Miguel Arraes, então retornado do exílio e, com o fim da ditadura.
Pois bem. O vereador que feriu e quase mata o primogênito do Coronel, único filho de sua primeira esposa, nunca sofreu um cascudo de penitência. Nunca ninguém da sua família pode dizer que sofreu ameaças e retaliações. Severino Farias tinha grandeza e tolerância. Transmitiu essa marca aos seus descendentes.
Essa amplitude humana, o respeito ao resultado das urnas. O que não significa que abrisse mão de artimanhas eleitorais. Artimanhas, nunca violências, até onde lembro, pelo menos.
Hoje, é nome de educandário. Justa homenagem, não às letras, e sim à sua dimensão humana.

ZÉ AUGUSTO

Na minha infância, não convivi com Zé Augusto. Os filhos do Coronel não estudavam no Pio XII, fundado pelo arqui adversário local, o Monsenhor Ferreira Lima. Estudavam fora.
Zé Augusto era apenas um ano mais velho que eu, porém na adolescência um ano faz diferença. Crescemos, vivemos a vida sem conviver. Vidas paralelas.

O PAPEL HISTÓRICO

Após a morte de Antônio, em pleno exercício do mandato de senador, Zé assumiu o protagonismo, dando sequência à ligação com Arraes, estendida depois para Eduardo Campos. Morreu no PSB, numa fidelidade absoluta, porém sem subordinação.

BIU

Desde a infância, Severino Farias Filho, conhecido como Biu Farias, foi o mais próximo, um amigo. Compartilhamos paqueras na frente do Cine São José, na Praça da Matriz, no Sport Surubim, no Independência. Jogamos bola inclusive na quadra do Pio XII. Acho que durante muito tempo foi o único Farias raiz a botar os pés lá. Anos depois nos encontramos na luta democrática, Biu bem solidário à esquerda. Depois foi vereador de destaque. Hoje sua esposa, Ana Célia, é prefeita reeleita de Surubim.

OUTROS FARIAS DO CORAÇÃO

Com o tempo fiquei muito amigo de Geralda Farias, a viúva de Antônio, por quem tenho o maior carinho. De Dôra, que foi casada com Paulinho Guerra. Ambos geraram Mariana, a mais que querida Mamá. Também me aproximei de Socorrinho, me chegam lágrimas aos olhos ao lembrar do seu marido, precocemente falecido. Antônio Andrade Lima, o popular Tonho Garapa, meu amigo de infância e menino herói das vaquejadas. Também me aproximei de Arlindo, executivo de sucesso. Mais jovem, porém até mais ligado por encontros em voos e conversas em esperas de aeroportos, numa época em que ambos éramos caixeiros viajantes pelos céus do Brasil.
A todos, bem como aos descendentes que não conheço, os meus mais sinceros sentimentos.

ÁRVORE FRONDOSA

Severino Farias, o Coronel, tronco da família, deixou grandes exemplos. Um deles: nunca restringiu sua herança política ao sangue. Com a certeza de estar cometendo graves omissões, lembro de alguns nomes do seu grupo: Adalberto Cabral, deputado eleito com o seu apoio e pai do hoje deputado federal Danilo Cabral. Nilton Mota Silveira, diplomata nato, uma espécie de chanceler do Coronel. Pai de Nilton Mota, uma referência na atual estrutura de mando do PSB. Antonio Cabral, braço direito, pau pra toda obra. Pai da atual prefeita de Surubim.

SENTIMENTOS CRUZADOS

Uma curiosidade: o tempo se encarrega de diluir posições conflituosas. Ana Célia virou queridinha de papai. Como o Dr. José Nivaldo gostava e torcia pela herdeira política de antigos adversários.
Zé Augusto foi continuador da modernidade política do coronelismo do seu pai. Era um político com raízes no século XX. Sem nunca ter sido Coronel, encerrou o último capítulo da saga do coronelismo atípico de Surubim.
Arlindo é apolítico. Biu, independente de retomar ou não a carreira eleitoral, é um político da nova era. Como Ana, Danilo, Niltinho e a terceira geração que já está botando as unhas de fora. A saga continua, em outra dimensão.

HORA DO ADEUS

Adeus, Zé Augusto.
Com você, foram enterrados os registros de uma era e de um estilo de fazer política.