Os anos nova-iorquinos, um sopro de liberdade para John Lennon

Nova York, cidade onde o ex-Beatle foi morto em 8 de dezembro de 1980, foi por quase 10 anos um símbolo de renascimento para do autor de ‘Imagine’

Maggy Donaldson, AFP
John Lennon e Yoko Ono, na  gravação de ‘Double Fantasy’, no Hit Factory em Manhattan, em 7 de agosto de 1980 Foto: Roger Farrington

Em 8 de dezembro de 1980, os portões de ferro do Edifício Dakota em frente ao Central Park entraram para a história como o lugar onde John Lennon foi baleado.

Nova York, no entanto, foi por quase 10 anos um símbolo de renascimento para o ex-Beatle e autor de Imagine.

Quando ele chegou à primeira metrópole americana em 1971, a cidade estava repleta de pobreza e crime. Mas também estava em plena efervescência artística e povoada por tantas celebridades que até uma estrela mundial como Lennon poderia ser encontrado tomando um café na esquina, no “Café La Fortuna”, sem ser assediado por admiradores ou paparazzi.

“Nós realmente nos sentimos em sintonia com os nova-iorquinos”, contou sua icônica parceira Yoko Ono, agora com 87 anos, no documentário LENNONYC (2010).

“Conheci muitos nova-iorquinos que reclamam, mas ninguém vai embora”, disse ele. “É o melhor lugar do mundo”.

Ordem de expulsão

O casal havia se instalado primeiro no Greenwich Village, naquele que então era o distrito artístico por excelência.

“Ele não queria ser John Lennon, o ex-beatle, uma celebridade”, afirma Susan Ryan, uma escritora nova-iorquina que organiza visitas guiadas relacionadas aos Beatles.

O apartamento da Bank Street, número 105, onde o casal morou de 1971 a 1973, é ocupado há 25 anos pelo mesmo inquilino, Roger Middleton, “consciente da herança” do local.

John e Yoko rapidamente se juntaram aos círculos esquerdistas da época e, em 1972, lançaram um álbum, Some Time in New York City, muito político, que abordava racismo, sexismo e encarceramento.

O FBI começou a rastrear os passos de Lennon, e o governo de Richard Nixon ordenou sua deportação, o início de uma longa batalha judicial. O ex-Beatle não obteve sua autorização de residência até 1976.

John, o palhaço

Foi durante esse embate que Bob Gruen tirou a famosa foto de Lennon fazendo o sinal da paz em frente à Estátua da Liberdade.

O fotógrafo capturou outras imagens que se tornaram icônicas, como aquela em que o cantor com o minúsculo óculos redondo e cabelos na altura dos ombros orgulhosamente usa uma camiseta na qual está escrito “New York City”.

Gruen conta que teve o prazer de fotografar uma estrela “sempre pronta para brincar com palavras e piadas”.

“Eu gostaria de ver o que ele teria feito com o Twitter, ele era tão bom com frases curtas”, acrescenta o septuagenário.

Allan Tannenbaum, autor de retratos íntimos de John e Yoko, também se lembra do senso de humor deles.

Em uma ocasião, conta, quando o casal estava nu simulando uma cena de sexo que estava sendo filmada, Lennon beijou Ono por tanto tempo que a certa altura ele se virou e disse: “O que é isso? Ben Hur? “, referindo-se ao famoso filme de quase quatro horas lançado em 1959.

“Ele quebrou o gelo, todos riram”, lembra Tannenbaum.

“E eu tenho a foto daquele momento, ele com um grande sorriso no rosto enquanto estava em cima de Yoko. E ela rindo. Foi o melhor”.

John Lennon
Mosaico ‘Imagine’ no Strawberry Fields Memorial para John Lennon, no Central Park  Foto: Angela Weiss / AFP

Amor mútuo

Após sua morte, Yoko Ono financiou a construção do monumento Strawberry Fields na entrada do Central Park, em frente ao Dakota.

Com o seu mosaico Imagine, doado por artesãos italianos, esta homenagem, embora discreta, tornou-se um local de peregrinação.

Para Ryan, que tinha 19 anos em 1980, o assassinato do ex-Beatle repercutiu em Nova York mais do que em qualquer outro lugar.

“Todos na cidade sabiam que ele queria morar aqui, que queria ser um de nós”, relata esta mulher enquanto olha para o mosaico. “Os nova-iorquinos amavam John”.

“Onde quer que você esteja, é onde você está. Mas ainda mais aqui em Nova York”, disse Lennon à New Yorker em 1972.

“Aqui é mais doce e eu tenho uma queda por doces”.

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