Uma poesia livre de Abgar Renault, para louvar a intangível beleza da mulher amada

Biografia -

Abgar Renault, absolutamente romântico

O professor, tradutor, ensaísta e poeta mineiro, o imortal  Abgar de Castro Araújo Renault (1901-1995) descreve, neste poema, a “Intangível Beleza” de uma mulher que surge como uma sereia.
A INTANGÍVEL BELEZA
Abgar Renault

Saiu da mão direita de Deus e é contemporânea do Gênesis.

Seus curvos braços, feitos para fecharem-se,
ainda estão imóveis, em golfo abertos,
friamente, diante de todas as águas,
com seus peixes, suas ondas, seu sal cheio de música.
Apenas os estremece, às vezes, um ritmo de fuga ante o esplendor do fogo próximo.

Compõem sua boca as curvas do infinito e a luz,
e habitam seus olhos de maio e de distância
os vocábulos de oculto país, verdes, esveltos e evasivos.

O romper do dia espera o alvorecer dos seus pés no chão,
caem as noites e murcham os corações ao esmorecer de suas pálpebras,
e as tardes refugiam-se em seus cabelos de crepúsculo.

Seu ser interior e corporal é a linfa de uma fonte ausente:
pensá-lo é escalar o vértice, regressar às origens,
ver a poesia nascendo e projetando no mundo o seu mistério.

Que gesto apartará as colunas e separará terras e águas?
Que tacto se deslumbrará nos brancos astros?
Que lábio incendiará a ânfora no abismo?

(Do ninho de suas mãos obscuros pássaros cantam:
sua beleza é uma ilha de nenhum mar.)