Lewandowski pede informações à Justiça do Rio sobre censura a documentos do caso das ‘rachadinhas’

Lewandowski quer saber se a Globo está sendo censurada

Paulo Roberto Netto
Estadão

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu informações à Justiça do Rio de Janeiro sobre a decisão da 33ª Vara Cível fluminense que proibiu a TV Globo de exibir documentos do caso das ‘rachadinhas’, que mira o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). A censura foi validada pelo desembargador Fábio Dutra, da 1ª Câmara Cível, no mês passado. O ministro deu dez dias para que o tribunal envie explicações.

O despacho foi proferido em reclamação apresentada pela Globo no Supremo, no qual alega ofensa à liberdade de imprensa por meio de censura prévia, imposta pela Justiça. A emissora aponta que a decisão da Justiça do Rio afrontou sólidos posicionamentos e jurisprudências da Corte sobre proteção às liberdades de expressão e de imprensa e ao direito à informação.

INTERESSE PÚBLICO – Nos autos, a Globo afirma que noticiou apuração do Ministério Público do Rio sobre os sucessivos depósitos em dinheiro vivo, com o mesmo valor, envolvendo a loja de chocolates Bolsotini, de Flávio Bolsonaro, entre março e dezembro de 2018. A emissora informou que o caso é de ‘inegável interesse público’ por se tratar de informações relacionadas a um senador da República.

Após a exibição das reportagens, a defesa de Flávio foi à Justiça para impedir a emissora de divulgar peças da investigação sob argumento que as reportagens investigativas ‘excedem’ os limites da liberdade de imprensa ‘ao exibir documentos sigilosos que instruem o procedimento investigatório’, como extratos bancários e declarações de imposto de renda, ‘fazendo ilações sobre patrimônios e operações financeiras’ de Flávio Bolsonaro.

A juíza Cristina Serra Feijó, da 33ª Vara Cível do Rio, atendeu o pedido do senador. Segundo ela, sua decisão ‘não diz respeito propriamente à liberdade de imprensa’, mas sim à ‘responsabilidade pelos danos causados pela divulgação de documentos e informações’. Ela nega ter cometido censura.

DISSE A JUÍZA – “Embora admirável a atuação do jornalismo investigativo na reconstrução e apuração dos fatos, ela esbarra nos limites da ofensa a direito personalíssimo”, afirmou Feijó. “A exposição indevida de documento sigiloso ou a divulgação de informação protegida por sigilo pode vir a comprometer a higidez da investigação”.

“Some-se a isto que o requerente (Flávio Bolsonaro) ocupa relevante cargo político e as constantes reportagens, sem qualquer dúvida, podem ter o poder de afetar sua imagem de homem público e, por via transversa, comprometer sua atuação em prol do Estado que o elegeu senador”, afirmou a juíza.

A decisão da magistrada foi validada no último dia 16 de setembro pelo desembargador Fábio Dutra, da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio.

ACUSAÇÕES GRAVES – Flávio Bolsonaro é investigado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa em suposto esquema do qual faria parte seu então assessor Fabrício Queiroz, demitido em 2018 após os primeiros indícios de irregularidades no gabinete do filho do presidente serem revelados. Queiroz foi preso em Atibaia (SP) em junho, e cumpre prisão domiciliar no Rio de Janeiro.

Repercussão. A censura imposta pela magistrada provocou forte reação de entidades que defendem a liberdade de imprensa. Em nota, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) disse que a decisão atenta ‘contra a liberdade de imprensa, cerceia o direito da sociedade de ser livremente informada’. “Isso é ainda mais grave quando se tratam de informações de evidente interesse público”, apontou a ANJ.

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) comparou a liminar a um ato da ditadura militar que cerceou a liberdade de imprensa no Brasil. “Parece estar se tornando praxe no país a censura à imprensa, tal como existia no tempo da ditadura militar e do AI-5”, diz a ABI. “É mais um atropelo à liberdade de expressão. É urgente que o STF restabeleça o império de lei”.