Dallagnol afirma que seu afastamento da Lava-Jato fere a independência do Ministério Público

Deltan Dallagnol será removido do comando da Lava Jato, afirma ...

Dallagnol diz que não existem motivos para afastá-lo

Sarah Teófilo
Correio Braziliense

O coordenador da força-tarefa da Lava-Jato no Paraná, Deltan Dallagnol, enfrenta atualmente a maior crise institucional em relação às forças-tarefas dentro do Ministério Público Federal (MPF). Em meio a isso, ele corre o risco de ser afastado em ações que questionam a sua atuação como procurador no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A análise pelo órgão de dois processos, deve ocorrer na próxima terça-feira (18), decidindo o futuro de Dallagnol na força-tarefa.

Em entrevista ao Correio, ele avalia que seu possível afastamento significaria uma enfraquecimento da independência das ações do MP. “Meu afastamento forçado da maior operação anticorrupção da história brasileira, que pode acontecer para cidade distante de Curitiba, intimidaria pelo exemplo e enfraqueceria a independência do trabalho do Ministério Público”, afirma.

Na última segunda, a defesa do procurador pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que suspenda as duas ações, solicitando que não seja dado andamento à análise até que o pedido feito ao Supremo seja analisado. O ministro Gilmar Mendes encaminhou a deliberação ao plenário.

Um dos pedidos foi feito pela senadora Kátia Abreu (PP-TO) em outubro do ano passado. Ela pede a remoção do procurador. Dentre alguns pontos, Kátia alega que Dallagnol teria realizado palestras como uma forma de “alavancar sua imagem pessoal” e depois “monetizar aparições públicas”. A senadora afirma que a representação tem como objetivo “resguardar as condições de atuação minimamente isenta do Ministério Público”.

O outro é um procedimento administrativo disciplinar (PAD) protocolado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), que pode acarretar a suspensão disciplinar de Deltan da Lava-Jato. O parlamentar questiona mensagens publicadas pelo procurador nas redes sociais nas quais afirmou que se Renan fosse eleito para a presidência do Senado, haveria dificuldade na aprovação de reforma contra corrupção. O pedido também é do ano passado.

O senhor vê os processos como uma perseguição à Lava-Jato?
Muitos investigados e réus utilizam pedidos de punição para vingança pessoal. A proteção mais básica para promotores e juízes que atuam contra poderosos é aquela contra retaliações. A grande maioria das reclamações disciplinares foi protocolada no Conselho por réus, investigados e seus aliados e tinha esse conteúdo retaliatório, não se convertendo em processos disciplinares. É interessante notar que jamais houve reclamações disciplinares movidas por agentes públicos com os quais atuamos nos últimos seis anos, dos mais diversos órgãos, como Polícia Federal, Justiça Federal, Receita Federal, Advocacia-Geral da União, Controladoria-Geral da União, Tribunal de Contas da União, Conselho de Controle de Atividades Financeiras e Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional.

Para o senhor, o que significará se o Conselho decidir pelo seu afastamento da força-tarefa?
Os três precedentes de remoção compulsória pelo Conselho Nacional envolvem casos graves de omissão e desídia na atuação, muito diferente da minha realidade de dedicação ao Ministério Público e ao serviço à sociedade. Seria o primeiro caso de afastamento dissociado de uma atuação leniente, mas sim aguerrida e combativa. Jamais respondi a processos disciplinares pela atuação em investigações e processos, a qual é, aliás, coletiva, de uma equipe, e não individual. Nesse contexto, meu afastamento forçado da maior operação anticorrupção da história brasileira, que pode acontecer para cidade distante de Curitiba, intimidaria pelo exemplo e enfraqueceria a independência do trabalho do Ministério Público.

No caso envolvendo o senador Renan Calheiros, acredita que cabe ao senhor, como uma autoridade de um poder que investiga políticos, se posicionar contra a eleição de um senador à presidência do Senado, como o fez, realizando uma conexão entre a possível eleição dele ao não avanço de uma reforma contra a corrupção?
O que fiz foi defender a campanha de voto aberto e fazer uma leitura de cenário sobre a pauta anticorrupção, avaliando que a eventual eleição de Renan pelos senadores seria prejudicial para essa pauta, já que era investigado por crimes de corrupção e lavagem. Nunca defendi que se votasse a favor ou contra qualquer candidato. Meu compromisso é com a causa, jamais com pessoas ou partidos. Vivo divulgando notícias de investigações contra políticos, por entender que são de interesse público. Nas eleições de 2018, por exemplo, defendi ainda que os brasileiros só votassem em pessoas com passado limpo. Tudo isso se insere no exercício legítimo e recomendável da liberdade de expressão para debater pautas apartidárias de interesse público.

Se arrepende da publicação?
A publicação deu margem para um debate que toma energias que eu poderia investir melhor em investigações e processos. Assim, mesmo entendendo que as manifestações foram totalmente legítimas, hoje provavelmente não faria. Por isso se fala que a instauração de procedimentos para investigar opiniões “resfria” ou “gela” a liberdade de expressão, é o chamado “chilling effect”.

Em relação ao pedido feito por Kátia Abreu, de que o senhor teria realizado palestras como uma forma de “alavancar sua imagem pessoal” e depois “monetizar aparições públicas”. O senhor utilizou a posição de coordenador da FT da Lava Jato para alavancar a imagem pessoal?
A alegação da senadora, investigada pela Lava-Jato perante o Supremo, não procede. Se houvesse esse propósito, eu teria participado das entrevistas coletivas na Polícia Federal nos dias das operações, as quais eram os momentos de maior visibilidade da Lava-Jato desde seu início, o que nunca ocorreu. A condição de porta-voz da força tarefa de procuradores foi um encargo institucional, atribuído pela equipe de comunicação da Procuradoria-Geral no fim de 2014.

Ao longo dos seis anos, a prestação de informações e esclarecimentos sobre a operação, assim como a defesa da causa anticorrupção, recomendaram intensos contatos e interação com a imprensa e a sociedade, o que é saudável e positivo. Mais de uma dezena de outros procuradores da força-tarefa também deram centenas de entrevistas. Nessas minhas entrevistas e aparições públicas, sempre segui as recomendações oficiais da assessoria de comunicação do Ministério Público.