EUA não conheciam poesia brasileira até Bishop, diz poeta norte-americano

Traduções ao inglês da poeta, que morou por duas décadas no Brasil, levavam aos estrangeiros a relevância dos escritores nacionais

A poeta. Elizabeth Bishop passou parte de sua vida em Ouro Preto
Foto: ELIZABETH BISHOP CENTENARY/DIVULG.

O poeta norte-americano Lloyd Schwartz, que foi amigo de Elizabeth Bishop e um dos organizadores da obra dela nos EUA, afirmou ter algo em especial a ressaltar para o debate que abriu o ciclo sobre a autora homenageada pela próxima Flip, prevista para novembro.

“Ela foi a primeira poeta norte-americana a realmente escrever sobre o Brasil e introduzir as pessoas de lá à poesia brasileira”, afirmou nesta segunda (10), durante um encontro virtual feito em parceria com o Sesc com o tradutor Paulo Henriques Britto, principal divulgador da obra de Bishop por aqui.

“Os poemas que ela traduzia dos grandes autores brasileiros, Drummond, Bandeira, Cabral, eram todos novos para os Estados Unidos”, continuou Schwartz. “E foi uma descoberta incrível, uma revelação. Nós não sabíamos que acontecia na literatura brasileira até Elizabeth Bishop.”

As traduções ao inglês da poeta, que morou por duas décadas no Brasil, faziam os escritores daqui parecerem aos estrangeiros algo que era importante conhecer, segundo Schwartz.

Bishop adorava Drummond, lembraram os especialistas na conversa, e ao traduzir o “Poema de Sete Faces” enviou a ele uma carta pedindo autorização para trocar o nome dos célebres versos “Mundo mundo vasto mundo,/ Se eu me chamasse Raimundo” para “Eugene”, porque não encontrava rima para “Raymond”.

Britto comentou que, apesar dessa admiração toda, os dois poetas trocaram poucas correspondências e se esbarraram só uma vez, por acaso, num restaurante de Copacabana.

E o que ela achava dos outros poetas brasileiros? “Ela era meio apaixonada por Vinicius”, lembrou Schwartz, que ficou próximo dela quando estava na universidade. “Não era tão louca assim por Bandeira. De João Cabral de Melo Neto, ela gostava muito. E admirava bastante o que lia de Clarice.”

A relação de Bishop com o Brasil guiou boa parte da conversa -vale lembrar que ela será a primeira estrangeira homenageada em 18 anos de festa literária em Paraty, o que motivou críticas à escolha em novembro passado.

A vida ao sul do equador deu à poeta uma liberdade que ela não encontrava nos EUA, concordaram Britto e Schwartz. Tanto é que foi aqui que Bishop começou a abordar sua infância na literatura.

Mas o amigo americano também atribuiu ao longo tempo que passou entre Rio de Janeiro e Minas Gerais a demora da crítica daquele país em considerá-la como autora canônica, fundamental, o que só aconteceu depois de sua morte. Afinal, ela não frequentava a cena literária -e bastante masculina- da intelectualidade dos Estados Unidos.

Schwartz contou um episódio em que a revista “Life” pediu que Bishop escrevesse um livro sobre o Brasil, pagando US$ 10 mil (“o maior dinheiro que já recebeu para escrever algo”) para viajar estrada afora e pensar no que o país significava para ela.

“E Elizabeth detestou o que acabou publicado”, lembra ele. “Os editores da ‘Life’ reescreveram o livro todo, segundo ela. Transformaram em algo bem condescendente, na linha do Brasil como o nosso bom vizinho do sul. O último capitulo era sobre raça no Brasil e o que os Estados Unidos poderiam aprender sobre relações raciais com a experiência daí. E ele foi retalhado.”

O ciclo de debates sobre a autora, com inscrições gratuitas e curadoria de Fernanda Diamant, continua até o próximo dia 21, em mais oito encontros no total. É preciso se inscrever para as mesas, no site do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, dois dias antes de elas acontecerem.

Nesta terça-feira (11), num encontro com vagas já encerradas, conversaram a escritora Marilene Felinto, colunista da Folha, e a poeta Alice Sant’Anna, editora de Bishop na Companhia das Letras.

Por FOLHAPRESS