“O silêncio de Lêda Alves e de Gilberto Freyre Neto”, por Rafael Moura

*Por Rafael Moura – Já virou um clichê na área, mas é preciso repetir: o setor cultural foi um dos primeiros a sentir os efeitos da pandemia da COVID-19 e será um dos últimos a sair do processo de distanciamento social e superar os impactos da crise. Outro clichê frequentemente acionado pelos trabalhadores da cultura nesse momento é o de exaltar a importância da arte como aliada no combate à pandemia. E de fato, não fossem os filmes, as séries, os livros, as centenas de lives diárias de artistas variados, seria ainda mais difícil se manter em isolamento. Pare para pensar: quantas músicas, quantos filmes, quantas séries ou quantos livros você já consumiu nesse período? Certamente, para uma parcela considerável da população, a resposta será surpreendente. O consumo de arte e cultura, das mais variadas formas, parece estar em alta. Mas será que isso significa que os trabalhadores da cultura estão vendo seus ganhos aumentarem? A resposta é simples: não.

Parte importante da economia da cultura gira em torno do encontro presencial de pessoas. Na música, há muito tempo que a receita dos profissionais envolvidos nessa indústria vem principalmente de shows em bares, teatros, festivais e outros eventos. O teatro, então, é a arte do encontro. O audiovisual, em sua etapa de produção, pode envolver equipes que somam centenas de pessoas num mesmo espaço. Isso sem contar com a relevância dos ciclos culturais, das festas populares, dos grandes festivais de artes integradas, feiras de artesanatos e demais contextos onde a aglomeração de pessoas é condição de existência e manutenção da cultura e de sua consequente geração de renda para uma infinidade de profissionais que dedicam suas vidas a isso.

E nesse momento em que a contradição entre a relevância da cultura e a sua impossibilidade se torna evidente, é urgente pensar em alternativas para a manutenção do setor. E aqui não há defesa por privilégios. É preciso buscar alternativas para dar suporte a toda a população. Mas pensem comigo. Qual a relevância de uma Secretaria de Cultura durante uma pandemia? Qual a função de um gestor público da área cultural durante uma crise que exige, como única estratégia comprovadamente eficaz, o distanciamento social? Se não existir para pensar soluções para o seu setor e criar alternativas de sobrevivência para os profissionais da área, para que mais eles podem ser úteis?

A gestão pública de cultura tem a obrigação, neste momento, de voltar seus esforços e atenções para criar alternativas viáveis para a manutenção do setor durante a crise. Tem também o dever de fomentar o debate sobre o processo de retomada das atividades num mundo pós-pandemia. E para isso é preciso diálogo, transparência e iniciativa. Mas o que temos observado em todos os níveis da federação é exatamente o oposto. O Governo Federal, que já havia desarticulado o Ministério da Cultura, transformando-o em uma Secretaria Especial da Cultura, demitiu a Secretária Regina Duarte no meio da crise e já demonstrou por diversas vezes seu desprezo pela produção cultural. Resta-nos buscar apoio no Governo do Estado e na Prefeitura do Recife. E aqui mora o problema. O silêncio dos gestores nesse momento é quebrado apenas por notas um tanto quanto desanimadoras que indicam a total paralisia da pasta.

“Governo Federal mostra desprezo pela área ao desarticular o Ministério da Cultura, e demitir a Secretária Regina Duarte”.

Não há qualquer sinal de resposta da gestão aos efeitos da pandemia no setor cultural. Para ser justo: o Governo de Pernambuco conseguiu, quase no final de maio, pagar os cachês dos profissionais que trabalharam no Carnaval 2020. A Prefeitura do Recife nem isso. Mas é muito pouco. Esse seria o momento para termos nomes fortes liderando a gestão cultural nos diferentes níveis. Seria o momento para a demonstração de compromisso público dos secretários Gilberto Freyre Neto e Leda Alves e dos presidentes de Fundação Marcelo Canuto e Diego Rocha. No entanto, o que acompanhamos é o silêncio total e a absoluta incompreensão do seu dever. Isso para citar nominalmente apenas as lideranças de cada instituição. Se formos descer um degrau para cobrar também dos assessores, coordenadores das várias linguagens, gerentes de ação cultural ou secretários executivos, vamos acabar percebendo o completo vazio que se transformou a gestão cultural em Pernambuco e em Recife.

Não que seja novidade para quem trabalha na área, mas seria razoável esperar que num momento de crise aqueles agentes públicos que costumam pavonear suas funções durante todo o ano viessem agora trabalhar em parceria com a sociedade civil na construção de alternativas. Não é possível que com tantas vidas se perdendo para a doença e tantas outras se desestruturando pela crise econômica, tenhamos gestores tão preocupados em manter seus próprios cargos ao ponto de se omitirem de suas obrigações. Não é possível continuar se aproveitando da função pública apenas para beneficio privado – seja na simples manutenção do emprego, seja na obtenção de benefícios pelo cargo ocupado.

Secretária de Cultura do Recife, Lêda Alves (à esq.) e o Secretário Estadual de Cultura, Gilberto Freyre Neto (à dir.) posam com o diretor Paulo de Castro (centro).

Se no combate direto à COVID-19 o Governo de Pernambuco e a Prefeitura do Recife vinham tomando atitudes elogiáveis e apostando na ciência para reforçar o isolamento – até o momento em que começaram a falar de flexibilização da quarentena, claro –, o mesmo não podemos dizer sobre as ações paralelas de mitigação dos efeitos da crise nos diferentes setores da sociedade e, em especial, no setor cultural. Em recente reunião do Conselho Estadual de Política Cultural, vimos Severino Pessoa, representante da Fundarpe na reunião, afirmar que “estava otimista” e sugerir que a situação pós pandemia voltaria à normalidade. Esqueçam as evidências. A gestão cultural local desenvolve políticas públicas baseadas no otimismo dos burocratas.

A Prefeitura se mantem em silêncio absoluto. O Governo parece acreditar que esconder o vazio da gestão com notas à imprensa é suficiente para passar pela crise. Para piorar – e salvo raríssimas exceções – temos uma oposição que hoje se preocupa basicamente com a eleição municipal que se aproxima ou demonstra não guardar qualquer simpatia pelos trabalhadores da cultura e pelas políticas culturais. O futuro parece reservar um caminho insustentável para nós. Estamos entre a política do silêncio e o vazio da gestão.

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*Rafael Moura é Produtor Cultural e Doutorando em Antropologia

Fonte:Blog do Ricardo Antunes