Seria contraprodutivo para a Índia e a China, ambas membros do BRICS e da Organização de Cooperação de Xangai, irem às vias de fato por causa de alguns passos de montanha gelados e extremamente remotos, embora estrategicamente importantes.
Mas quando olhamos para a Linha de Controle Real de 3.488 quilômetros de extensão, que a Índia define como “não-resolvida”, essa possibilidade não pode ser afastada de todo.
Segundo o Hindustan Times: “A Índia enviou tropas de combate de grandes altitudes contando com elementos de apoio para o leste de Ladakh, a fim de se contrapor à postura agressiva do Exército Popular de Libertação da China, cujo objetivo é intimidar o governo e interromper a construção de infraestrutura de fronteira no setor Daulat Beg Oldie, ?que talvez represente uma ameaça à rodovia Lhasa-Kashgar em Aksai Chin”.
A rodovia vai do Tibé até o sudoeste da província de Xinjiang, onde a Rodovia Karakoram – a parte norte do Corredor Econômico China-Paquistão – liga Kashgar a Islamabad. Dali, a estrada cruza o Baloquistão em direção ao estratégico porto de Gwadar, no Paquistão, como parte da Iniciativa Cinturão e Rota chinesa.
“As tropas especializadas indianas estão acostumadas à Região Tibetana Autônoma da China e adaptadas às operações em altitudes rarefeitas, diz o Hindustan Times. “A escala das tropas do EPL – no mínimo duas brigadas – indica que a iniciativa tem o aval de Pequim, não se limitando aos comandantes militares locais”.
Ninguém menos que Donald Trump se ofereceu como mediador.
A atual conflagração começou a ganhar força em fins de abril, levando a uma série de escaramuças em inícios de maio, descritas como “comportamento agressivo de ambos os lados”, inclusive com brigas de soco e lançamento de pedras. A versão indiana é que as tropas chinesas cruzaram a Linha de Controle Real (LAC, em inglês) com veículos e equipamentos, com o objetivo de bloquear a construção da estrada pela Índia.
A área-chave são os arredores do espetacular lago de Pangong Tso, com 135 quilômetros de extensão e de 5 a 7 quilômetros de largura, situado em Ladakh, região que é de fato uma extensão do planalto tibetano. Um terço dessa área é controlado pela Índia e os outros dois terços pela China.
As dobras montanhosas que circundam o lago são chamadas de “dedos”. Os indianos afirmam que as tropas chinesas estão próximas ao Dedo Dois, bloqueando seus movimentos. A Índia reivindica direitos territoriais até o Dedo Oito, mas seu controle de fato vai apenas até o Dedo Quatro.
Há quase uma década, Nova Delhi vem, cada vez mais, expandindo o desenvolvimento da infraestrutura e a presença de tropas em Ladakh. As unidades militares agora passam períodos mais longos na Linha de Controle, e não apenas os seis meses que antes eram a duração padrão do rodízio de tropas.
Essas unidades eram chamadas de batalhões “laço”: eles vão e vêm da Geleira Siachen – que foi o cenário de uma mini-guerra ocorrida em 1999, que eu acompanhei de perto.
Os indianos afirmam que há nada menos que 23 áreas “disputadas e sensíveis” ao longo da LAC, com pelo menos 300 “transgressões” cometidas a cada ano pelas tropas do Exército Popular de Libertação.
Cruzando a linha
Os indianos estão agora particularmente focados no que vem ocorrendo no vale de Galwan, em Ladakh, onde, segundo eles, ocorreu uma dessas transgressões, tendo o EPL avançado de 3 a 4 quilômetros além do limite, estando agora em processo de cavar trincheiras.
Em termos diplomáticos é tudo muito nebuloso. O Ministério das Relações Exteriores da China acusou as tropas indianas de “cruzarem a linha” tanto em Ladakh quanto em Sikkim, e também de “tentarem alterar unilateralmente o status do controle de fronteira”.
O Ministério do Exterior da Índia preferiu enfatizar que os “mecanismos estabelecidos” devam prevalecer, justificando seu relativo silêncio com a explicação de que a diplomacia discreta entre comandantes e oficiais militares deve ter precedência.
Essas declarações contrastam fortemente com o que fontes indianas no solo vêm afirmando: confrontos diretos entre as tropas em pelo menos três pontos de Ladakh e Sikkim; um excesso de tropas chinesas em áreas da Linha de Controle Real patrulhadas pela Índia e bloqueio das patrulhas indianas em áreas dos dedos do lago Pangong Tso.
É interessante que fontes da defesa indiana neguem que tenha havido um aumento de tropas chinesas no setor intermediário da Linha de Controle, em Uttarakhand; eles veem o que pode ser descrito como “movimentos locais” de rotina.
É significativo que um ex-comandante do Exército do Norte tenha afirmado ao The Hindu: “Normalmente, confrontos acontecem em uma área local e são resolvidos no nível local”. Isso mais ou menos resume o estado de coisas ao longo da fronteira Índia-China, e também da fronteira Índia-Paquistão.
Agora, entretanto, tudo indica que o planejamento está se dando em um “nível mais alto na China”, de modo que as escaramuças devem ser tratadas pela diplomacia. O primeiro-ministro indiano Narendra Modi vem analisando a atual situação da Linha de Controle Real.
Pequim vem sendo extremamente discreta quanto ao assunto. No entanto, o Global Times parece estar destilando a narrativa chinesa predominante: os pobres da Índia “estão enfrentando uma ameaça de fome cada vez mais grave”.
“Tendo em vista esse pano de fundo, é concebível que a exacerbação das tensões de fronteira, nas atuais circunstâncias, venha a atiçar sentimentos nacionalistas e aumentar a hostilidade interna contra o capital chinês, colocando pressões desnecessárias sobre o comércio bilateral e desferindo mais um golpe contra a economia indiana, que já sofre forte declínio”.
O Global Times insiste que a China “claramente não tem qualquer intenção de escalar as disputas de fronteira com a Índia”, preferindo dar ênfase à “melhoria geral” de seus vínculos bilaterais econômicos e comerciais”.
Os suspeitos de sempre do dividir para governar, de sua parte, preferem especular sobre a possibilidade de uma mini-guerra entre Índia e China. É muito pouco provável que isso venha a acontecer.
O Consultor de Segurança Nacional da Índia, Ajit Doval, e o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, indicados como representantes especiais da Índia e da China, se encontraram pessoalmente em dezembro de 2019, e discutiram “um acordo precoce sobre a questão da fronteira”. Tudo indica que eles logo terão que se reunir novamente.
Oriente Mídia