A história, o antes e o depois . Por Francisco Dacal 

Por FRANCISCO DACAL – Escritor e administrador de empresas

    Foram abertos, no mundo, diversos painéis de discussões, multidisciplinares, sobre como será o comportamento das sociedades e das relações internacionais a partir da pandemia da Covid-19, que nos assola. São intensas as razões para isto. Estamos refém das consequências do maldito vírus, direta e indiretamente. Não tem exclusão. Mais uma vez, na história, um fato de peso exorbitante atinge a humanidade como um freio, quem sabe a dizer: Parem a caminhada e repensem tudo. Priorizem o humano e respeitem os reais valores. Sejam pragmáticos. Exterminem a demagogia. Unam-se e lutem pela paz.

    Como em outras impactantes passagens, limites surgirão sobre o antes e o depois do acontecimento em evidência – agora no ápice do desenvolvimento científico, tecnológico, industrial, material e teórico. Novos hábitos e regras protocolares deverão modular a vida, pessoal e profissional, em todos os âmbitos, inclusive entre as nações. Viver passará a ser um desafio coletivo, se rotineiro ou intermitente ainda não sabemos.            

    Atualmente, quase não se fala ou se escreve outra coisa que não seja sobre o presente caos sanitário, todavia não podemos deixar de registrar que há pouco mais de três meses ocorreu, no Recife, um evento cujos protagonistas homenageados, cinco séculos atrás, estabeleceram um fundamental antes e depois, como no momento está se construindo. Tal efeméride antecedeu em dias a determinação das primeiras medidas de isolamento social para combater o coronavírus. O fato é que… O Recife foi uma das duas cidades brasileiras incluídas, a outra foi a do Rio de Janeiro, no roteiro oficial de comemoração dos 500 Anos da 1ª Volta ao Mundo, liderada pelo navegador português Fernando de Magalhães, sob os auspícios da Coroa espanhola, e, no trajeto de volta pelo Oceano Pacífico, após a morte deste, combatendo nativos das Filipinas, concluída por Juan Sebastián Elcano, navegador hispânico.

    Há quem considere o desafio da circunavegação como a maior odisseia da humanidade, em todos os tempos. Stefan Zweig, no livro Magallanes, El hombre e sua gesta, escreveu que esta aventura “foi talvez a viajem marítima mais terrível e cheia de privações que registra a eterna crônica da dor humana, e da humana capacidade de sofrimento que chamamos história”.

    Estariam indo para o nada?. A incredulidade era geral, mas não para o comandante Magalhães, um visionário. No dia 10 de agosto de 1519, cinco naus desfraldaram as velas, San Antônio, Victoria, Santiago, Concepción e Trindad, e seguiram pelo Rio Guadalquivir em direção ao Oceano Atlântico em busca do objetivo traçado de chegar às Ilhas Moluscas (hoje Indonésia) pelo ocidente, a grande produtora de especiarias, a fim de abrir uma rota comercial própria. Na frota, 237 tripulantes, marinos aventureiros, com os destinos nas mãos de Deus; dentre eles, como relator de viagem, o italiano Antonio Pigafetta.

    Depois de atravessarem o Oceano Atlântico, explorando diversas partes, no dia 21 de outubro de 1520 adentraram no que hoje é o conhecido estreito de Magalhães, no extremo sul do continente. Foi a pior fase, navegando, por 600 quilômetros, num ambiente sombrio, em águas profundas, com correntezas, tempestades e rochas, além de enfrentar motins e mortes, acidentais e por doenças. Após alguns meses em condições aterrorizadoras, por fim encontram a ligação com o oceano a quem Magalhães denominou de Pacífico, sendo o primeiro a cruzá-lo, com muitas descobertas e legados.

    No dia 8 de setembro de 1522, após três anos, chega de volta a Sevilha a nau Victoria, comandada por Elcano, com apenas 18 homens frágeis e famintos, carregada de cravo, canela, noz moscada e gengibre, a única, das cinco, o que restou da grandiosa aventura por 42.000 milhas marítimas. Pigafetta registrou no final de seu diário: “A fama de Magalhães será eterna”.

    Em homenagem a este feito, atracou no Porto do Recife, na quarta-feira do dia 30 de janeiro último, o navio escola da Armada espanhola Juan Sebastián Elcano, que logo recebeu a bordo o governador de Pernambuco, Paulo Câmara – deu as boas vindas à tripulação. À noite houve uma recepção na nave, onde o Comandante do Navio-Escola, Santiago de Costa Truebas, e o Embaixador da Espanha no Brasil, Fernando García Casas, falaram do significado da circunavegação para o mundo… A Terra não foi mais a mesma.