O trêfego Bolsonaro teve a ilusão de que poderia destruir um cidadão exemplar como Moro

Por Carlos Newton

É realmente inacreditável a imaturidade e a falta de preparo de Jair Bolsonaro, um oficial do Exército que passou 28 anos na Câmara Federal, mas nada conseguiu aprender de política. Pelo contrário, dedicou seus sucessivos mandatos a uma suposta defesa dos salários e dos direitos dos militares, bombeiros e PMs. E criou uma curiosa grife política e tem elegido pai e três filhos, além da primeira mulher e do sargento Helio Negrão, que disputou a eleição com o codinome de Helio Bolsonaro e foi o mais votado no Rio de Janeiro.

Neste ano, Bolsonaro completa 33 anos de política, desde a primeira eleição para vereador, em 1988. Pode não ser um grande líder, mas maneja como poucos o marketing eleitoral e tem uma precisa noção de oportunidade, que o levou à Presidência da República na maré de antipetismo que varreu o país nas eleições de 2018.

A GRANDE SURPRESA – O que ninguém esperava é que Bolsonaro fosse meter os pés pelas mãos no Planalto, ao permitir que os filhos interviessem na política como príncipes regentes. Ninguém imagina também que o presidente, ao invés de ouvir seus colegas militares, fosse se aconselhar junto a um estranho guru virginiano, que foi capaz de ser astrólogo e defender o terraplanismo.

Desde o início, Bolsonaro foi uma no cravo e uma na ferradura. Colocou no Ministério figuras notáveis, como o general Augusto Heleno, o juiz Sérgio Moro e o engenheiro militar Tarcísio Freitas, mas nomeou também personalidades caricatas como Ernesto Araújo, Damares Alves e Abraham Weintraub, criando um escalão do tipo chiclete com banana.

Nada se esperava do novo presidente, exceto não roubar nem deixar roubar, como dizia Ulysses Guimaraes. Era o suficiente para garantir-lhe a reeleição, mas Bolsonaro foi traído pela própria família.

RACHADINHAS E FANTASMAS – Uma das lições políticas de Bolsonaro aos filhos foram as rachadinhas e os funcionários fantasmas, que Flávio e Carlos aprenderam rapidamente. E logo surgiram as investigações contra os dois, que envolvem até a primeira-dama Michelle.

O pacto celebrado no ano passado com os presidentes do Congresso e do Supremo praticamente paralisou os inquéritos, mas a ameaça permanece e se robusteceu com a CPI e com o inquérito no Supremo que investigam as fake news, com envolvimentos dos três filhos.

A briga com Moro derivou daí. Como presidente, Bolsonaro achou que poderia obter informações sobre as investigações na Polícia Federal sobre as fake news, como se fosse possível corromper um homem como Sérgio Moro.

DEU TUDO ERRADO –O ministro Moro se demitiu dia 24 e disse os motivos. Se Bolsonaro tivesse permanecido calado, em 15 dias o assunto sumiria. Mas o presidente é movido pela ira, tem uma noção totalmente errada sobre o que significa ser presidente e mandou o procurador-geral Augusto Aras apresentar queixa-crime contra Moro, acusando-o de denunciação caluniosa e outros seis crimes. O resultado aí está.

Como seria de se esperar, deu tudo errado, já está provado que o presidente da República queria “afinidade” com a Polícia Federal para evitar perseguições à “minha família e meus amigos”, segundo suas próprias palavras.

Não é preciso dizer mais nada.  Assim, em breve vamos agradecer ao juiz Moro por ter nos livrado de Bolsonaro e deixado o governo com um outro militar mais preparado e que tem jeito de estadista.

P.S. – Neste imbróglio todo a grande decepção é a postura dos generais Eduardo Ramos e Braga Netto, que apoiaram Bolsonaro contra Moro, mesmo sabendo que o ministro tinha toda razão. Também o  general Augusto Heleno deixou a desejar. Na reunião ministerial do dia 22, Heleno teve a coragem de defender a posição de Moro, os outros dois ficaram calados. No depoimento desta terça-feira, Heleno disse que não se recorda da cena e que precisa assistir novamente à fita. Foi decepcionante esse comportamento de um chefe militar do gabarito de Augusto Heleno. Mas a vida é assim mesmo, a gente se decepciona todos os dias. (C.N.)

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