Supremo alemão exige cautela na compra de títulos da dívida pelo Banco Central Europeu

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Supremo alemão fiscaliza com rigor os atos econômicos do governo

Mathias Erdtmann

Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal Alemão), equivalente ao Supremo Tribunal Federal brasileiro, não engoliu tão facilmente o programa de recompra de títulos pelo Banco Central Europeu (BCE). Lá, como aqui, foi lançado um programa trilionário (2 trilhões de euros na Europa vs 1 trilhão de reais no Brasil) de compra de  títulos de dívidas, chamado de Programa de Aquisição do Setor Público.

O programa já existia desde 2015, e já dispôs de cerca de 500 bilhões de euros neste período de quase 5 anos, mas a crise provocada pelo coronavírus levou o BCE a pisar no acelerador, anunciando 2 trilhões de Euros adicionais, destinados ao enfrentamento da crise.

ERRO DAS AUTORIDADES – O Tribunal questiona a fraca atuação das autoridades alemãs, que têm o dever de monitorar, criticar, acompanhar e propor melhorias no programa, mas se abstiveram de seu dever legal de vigilância.

São apontados os artigos da Lei Básica (o equivalente à Constituição alemã) que teriam sido violados pelas autoridades governamentais ao ignorar a vigilância, subvertendo as medidas de controvérsia que foram propositalmente construídas nos regramentos, e são necessárias para o equilíbrio da relação entre os ministérios, poderes nacionais, nações soberanas e entidades supra-nacionais (União Europeia).

Em resumo, a controvérsia, a discussão, não ocorreu como deveria. Aqui no Brasil, salvo a organização da sociedade civil, por meio de ação coordenada por Maria Lúcia Fattorelli (da Auditoria Cidadã), também não houve grandes controvérsias, e o tema foi (re)aprovado em primeiro turno na Câmara dos Deputados em uma sessão que iniciou às 15h de segunda-feira (4 de maio) e finalizou quase no emblemático horário de meia-noite (23:25).

SEM PROPORCIONALIDADE – O Supremo alemão aponta ainda que o Banco Central Europeu falha em indicar a proporcionalidade de seus atos, pois justifica a liberação de 2 trilhões de euros (ou mais, se somar o passado de 500 bilhões) com uma única afirmação: a necessidade de manter a inflação próxima, mas um pouco abaixo, de 2% ao ano.

Esta afirmação, que não apresenta ligação direta entre causa e efeito, nem conexão direta entre o enfrentamento da crise provocada pelo coronavirus, não permite saber se o valor é adequado, nem quais são as possíveis consequências econômicas negativas da inadvertida liberação de crédito para compra de títulos da dívida.

A ação foi iniciada por um grupo de empresários e Professores universitários que são críticos a atuação do Banco Central Europeu, que, na visão deles, estaria excedendo sua missão de política monetária, ao exagerar na dose ou negligenciar os efeitos adversos (violando o princípio de proporcionalidade), interferindo na política econômica, que não é sua responsabilidade.

MESTRES DE VERDADE – Cabe destacar que os professores, na Alemanha, têm prestígio elevadíssimo, e é extremamente comum o poder público (e privado também) solicitar os pareceres sobre temas diretamente ao professor que detém a especialidade, sendo este parecer inquestionável (na mesma medida que o parecer jurídico de um Juiz do Supremo).

Assim sendo, é frequente o aconselhamento de ministros e da própria chanceler Angela Merkel por professores em temas complexos ou cujo tratamento excede as técnicas convencionais, como ocorreu, por exemplo, em um dos pronunciamentos da governante em 11 de março, no tratamento inicial da pandemia, quando citou o estudo de que até 70% da população seria infectada, e que seria necessário espaçar os casos de infecção para que o sistema de saúde desse conta da demanda, enquanto não houvesse vacina ou tratamento eficaz.

O Supremo alemão acatou o pleito do grupo e indicou às autoridades sua obrigação legal de exigir do Banco Central Europeu, com prazo máximo de três meses: (1) Provas da proporcionalidade da ação de liberação de 2 trilhões de euros para recompra de títulos públicos e privados; (2) Análise de risco dos efeitos econômicos de seus atos planejados, de forma a mostrar que os danos na economia são menores que seu benefício.

Caso falhe em promover a discussão (controvérsia), o governo alemão terá que se retirar do programa de recompra de títulos do BCE e gradativamente se desfazer dos títulos já comprados desde 2015.

Fontes:Documento de divulgação à imprensa, versão em inglês do Tribunal:

https://www.bundesverfassungsgericht.de/SharedDocs/Pressemitteilungen/EN/2020/bvg20-032.html

Artigo do Jornal traz, em alemão, mostrando o “novo normal”, com os governos mais atuantes no questionamento ao BCE:

https://taz.de/Bundesverfassungsgericht-zu-EZB/!5682966/